O Transtorno do envelhecimento



O TRANSTORNO DE ENVELHECER

Freud afirmava, com notável sabedoria, que os determinantes patogênicos envolvidos nos transtornos mentais poderiam ser divididos em duas partes:
1- aqueles que a pessoa traz consigo para a vida e;
2- aqueles que a vida lhe traz.
Na senilidade isso fica mais evidente ainda, de um lado os fatores que o indivíduo traz em sua constituição e, de outro, os fatores trazidos a ele pelo seu destino. Se os acontecimentos existenciais eram sentidos com alguma dificuldade ou sofrimento na idade adulta ou jovem, quando a própria fisiologia era mais favorável e as condições de vida mais satisfatórias e atraentes, no envelhecimento, então, quando as circunstâncias concorrem naturalmente para um decréscimo na qualidade geral de vida, a adaptação será muito mais problemática. Portanto, está correto dizer que quanto melhor tenha sido a adaptação da pessoa à vida em idades pregressas, melhor será sua adaptação no envelhecimento.
Um ambiente pleno de carinho e atenção em torno do idoso, juntamente com uma serenidade afetiva própria da involução favoreceriam o acomodamento emocional com o envelhecimento. Esta "serenidade afetiva", é necessária em face de algumas neuroses no envelhecimento, seria uma circunstância emocional mais tranquila, possivelmente ausente em épocas anteriores e, cuja falta, poderia contribuir para a manutenção de um antigo quadro neurótico. Mais comum na senilidade, entretanto, é o agravamento e não a melhora das alterações psíquicas anteriormente constatadas. No caso das neuroses do idoso, assim como nas demais idades, o transtorno decorre do grande esforço interno em conseguir uma satisfação existencial e uma adaptação à realidade.
Assim sendo, mesmo diante de circunstâncias existenciais favoráveis para alguns idosos, tal satisfação adaptativa não seria conseguida devido a certa fragilidade emocional própria de seus traços afetivos. Nestes casos não é, absolutamente, a vida ou as circunstâncias ambientais correlacionadas à senilidade quem estaria proporcionando condições necessárias para a eclosão da sintomatologia neurótica, mas sim, as condições de personalidade prévia do paciente. Outros idosos, possuidores de melhores condições de adaptação (personalidade), não manifestariam transtornos emocionais diante de iguais condições de vida.
É por causa disso que se envelhece como se viveu.
Dentre as funções psíquicas alteradas com e pelo envelhecimento, a afetividade deve ser destacada. Para melhor entendimento, na abordagem das manifestações neuróticas e distúrbios do humor, é bom relembrar a afetividade como sendo a capacidade de experimentar sentimentos e emoções, como um estado de ânimo que proporciona a tonalidade do relacionamento do indivíduo com o mundo e consigo próprio.
As características trazidas pelo indivíduo à vida (sua constituição) se tornarão mais exuberantes com o envelhecimento. As pulsões e paixões reprimidas ao longo da vida não encontram mais na velhice energia suficiente para mantê-las em repressão e eclode na consciência um triste e amargo culto ao passado, com suas frustrações, seus pecados, suas angústias e seus rancores.
O equilíbrio do idoso, e seu ajustamento ambiental dependem, principalmente, dos seguintes fatores:
a) um contato social suficiente;
b) uma ocupação cheia de significado;
c) uma certa segurança social;
d) um estado de saúde satisfatório.
Será difícil envelhecer serenamente quando a vida pregressa foi ponteada pelos mais variados traumatismos, frustrações e dissabores. As vivências traumáticas pregressas são sempre máculas indeléveis da existência e, com o esvaziamento progressivo da energia vital, se tornarão feridas emocionais abertas. Diante de certas circunstâncias de vida, cabe muito mais ao destino que ao terapeuta proporcionar a cura ou prevenir doenças. Na velhice as ocorrências vivenciais sofríveis serão as maiores determinantes do estado emocional.
O "contato social suficiente", citado nesta lista, começa ser menosprezado na própria família do idoso. O idoso é sempre colocado numa posição de forma a proporcionar menor incomodo à dinâmica familiar. E não falamos apenas de uma forma existencial, mas até do ponto de vista geográfico e espacial. Além do idoso não dispor de espaço importante no seio familiar, geograficamente quando não é alocado numa dependência isolada da casa ou numa cadeira bem no cantinho da sala, é levado para algum local "de repouso", longe dos olhos dos familiares.
Como podemos pretender uma "ocupação cheia de significado" num país onde a grande maioria das vagas de emprego limita a idade para admissão aos 40 anos? Realmente, dessa forma só restará aos idosos cuidarem de canários, praticarem jardinagem e tricô. O idoso é, de fato, considerado um inapto por nossa sociedade, um incapaz crônico e um deficiente ocupacional irrecuperável.
A exaltação da juventude, com notável predomínio dos valores estéticos sobre tantos outros valores, revela o idoso como o grande vilão do mundo moderno e muitas vezes como um objeto de repulsa e rejeição social. Na mídia, notadamente em filmes de grande bilheteria e de aventura contagiante, normalmente o herói não tem mais de 18 anos, os bandidos estão sempre na faixa dos 35 a 40 anos e os discretos velhinhos não passam de figuras cômicas que dão o toque de humor à cena de tensão.
A pouca importância da senilidade é percebida até mesmo nos meios científicos. Entristece a notável discrepância entre a escolha, pelos médicos formandos, para a pediatria e a geriatria como especialidades desejadas. Também na psicologia a senilidade é deixada de lado, tendo em vista a mega quantidade de obras destinadas aos temas infantis e a notável escassez de títulos geriátricos.
Os valores estéticos estão tão enraizados culturalmente no comportamento das pessoas que um ato de afeto e carinho entre dois idosos, como por exemplo, o caso de um beijo, é capaz de provocar atitudes de evitação, jocosidade e até reprovação. O mesmo ato, tendo adolescentes como protagonistas, encontra receptividade social muito maior.
A sociedade moderna é exclusivamente alicerçada na produtividade, atual, no lucro imediato e na utilidade da pessoa. Cada um de nós foi reduzido a uma mera função social e, dentro desta conjuntura das funções sociais, não restou sequer um espaço social para o idoso. Até palavras como tradicional, conservador e ortodoxo, inexplicavelmente adquiriram teor pejorativo. É como se o novo devesse ser obrigatoriamente bom e melhor.
E é assim que o idoso, considerado um peso social, frustra-se com a subtração de seu espaço existencial, anteriormente vivido com plenitude e sucesso. Experimenta uma profunda reação de perda sem nada a substituir o objeto perdido: o seu valor como pessoa. Desta forma, mesmo indivíduos relativamente equilibrados emocionalmente durante a vida pregressa, com a velhice tendem a descompensar.


Coluna No Divã - assinada pela Dra. Marisa Martins - Psicóloga - CRP: 06/30413-0
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