Autópsia digital
A mais célebre representação de uma dissecção humana está num quadro pintado pelo holandês Rembrandt em 1632. Conhecida como Aula de anatomia do Dr. Nicolaes Tulp, a pintura mostra sete circunspectos alunos de medicina olhando o corpo de um assaltante estendido em uma mesa com a parte interna de um dos braços exposta. Ao longo de séculos, a medicina se valeu desse tipo de procedimento retratado por Rembrandt para conhecer o funcionamento do corpo humano e suas doenças, no aprendizado médico e também como um método de verificação, quando necessário, do motivo da morte de uma pessoa.
Agora a tendência no mundo é o uso de equipamentos médicos já consagrados, como as tomografias e as ressonâncias magnéticas, para “ver” a causa da morte de uma pessoa sem a necessidade de abrir o corpo. Mas ainda falta uma base científica para esse fim.
Um dos estudos mais ambiciosos nesse sentido está sendo realizado em São Paulo, na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Lá, sob a coordenação do professor Paulo Saldiva, um grupo de pesquisadores está testando em um equipamento de tomografia formas de fazer autópsia com imagem. Para isso, eles desenvolveram com a empresa Braile Biomédica, de São José do Rio Preto, no interior paulista, uma bomba de injeção de contraste por uma artéria na virilha do cadáver, que se espalha em todo o corpo e garante imagens de melhor qualidade.
Os pesquisadores esperam dar um salto nos estudos a partir de 2014 com a entrega de um equipamento de ressonância magnética de alto campo magnético, a primeira do hemisfério Sul, que foi comprada com recursos da Fapesp, Secretaria da Saúde do estado e USP, no valor de US$ 7 milhões.
“Com a evolução da medicina e a adoção de métodos bioquímicos, biologia celular e molecular e métodos de imagens, a autópsia passou a ser algo antigo, mesmo na especialização de médicos”, diz Saldiva, que é chefe do Departamento de Patologia da FMUSP. “Autópsia dá muito trabalho, ela pode levar até três dias para ser concluída e é mal remunerada”, afirma.
Saldiva esclarece que a autópsia médica que tem um decréscimo no mundo é a de “morte morrida”, e não de “morte matada”. É diferente da medicina legal que trata de óbitos por causas violentas como tiros e facadas, por exemplo. Nesses casos é preciso que o corpo passe pelo Instituto Médico Legal (IML) para que o médico-legista, normalmente formado também em academias de polícia, possa fazer laudos para a investigação criminal e o processo legal.
“A autópsia médica trata de pessoas encontradas sem vida em casa ou na rua, ou que chegam a um pronto-socorro já mortas, por exemplo, e os médicos não sabem a causa para preencher o atestado de óbito”, explicou Saldiva.
Os estudos com autópsia digital são ambiciosos, não só pelos novos equipamentos que serão anexados à Faculdade de Medicina, mas também porque a USP é a mantenedora do Serviço de Verificação de Óbitos da Capital (Svoc), que está vinculado à universidade desde 1939 por decreto estadual. Esse serviço é que recebe todos os casos para autópsia médica do município de São Paulo.
“É o maior serviço de autópsia médica do mundo. Não existe outro vinculado a uma universidade e o Svoc é um órgão como o Museu Paulista ou o Instituto de Medicina Tropical, todos ligados à USP. Então, as pessoas que morrem em São Paulo e não têm atestado de óbito são trazidas para cá”, disse Saldiva.
Por ano são realizadas mais de 13 mil autópsias no Svoc e muitos estudos são realizados ali, sempre com a aprovação de familiares ou em indigentes ou corpos não reclamados pela família, que no ano passado, por exemplo, chegaram a 194.
“Portanto, temos todas essas autópsias à mão e podemos avançar nossos estudos e trazer novos conhecimentos, além de contarmos com a colaboração de todos os departamentos da Faculdade de Medicina. Hoje existem dúvidas quanto ao papel da autópsia como conhecimento científico. Queremos provar com as novas técnicas incorporadas à autópsia que ela é muito útil”, disse Saldiva.
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Fonte: Agência Fapesp
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