A Crônica de Lispector
Rosas Silvestres
Só esta expressão rosas silvestres já me faz aspirar o ar como se o mundo fosse uma rosa crua. Tenho uma grande amiga que me manda de quando em quando rosas silvestres. E o perfume delas, meu Deus, me dá ânimo para respirar e viver.
As rosas silvestres têm um mistério dos mais estranhos e delicados: à medida que vão envelhecendo vão perfumando mais. Quando estão à morte, já amarelando, o perfume fica forte e adocicado, e lembra as perfumadas noites de lua de Recife. Quando finalmente morrem, quando estão mortas, mortas - aí então, como uma flor renascida no berço da terra, é que o perfume que se exala delas me embriaga. Estão mortas, feias, em vez de brancas ficam amarronadas. Mas como jogá-las fora se, mortas, elas têm a alma viva? Resolvi a situação das rosas silvestres mortas, despetalando-as e espalhando as pétalas perfumadas na minha gaveta de roupa.
Da última vez que minha amiga me mandou rosas silvestres, quando estas estavam morrendo e ficando mais perfumadas ainda, eu disse para meus filhos:
Era assim que eu queria morrer: perfumando de amor. Morta de exalando a alma viva.
Esqueci de dizer que as rosas silvestres são de planta trepadeira e nascem várias no mesmo galho. Rosas silvestres, eu vos amo. Diariamente morro por vosso perfume.
Foto by Mari Martins
Crônica do livro: Aprendendo a viver - Clarice Lispector
Comentários
Uma grande escolha, menina.
Adorei conhecer seu espaço.
Abraços
Que magnífica passagem quando diz que queria morrer perfumando de amor.Morta exalando a alma viva. Que sensibilidade! Amei, parabéns! neuza
Linda crônica e de Clarice, só podemos esperar um texto emocionante, porque descreve com uma beleza tão verdadeira e doce as rosas silvestres... nos deixando a reflexão com sua frase de que queria morrer perfumando amor...
Maravilhosa !! Bela escolha pra compartilhar conosco !!
beijossssssssss