Dossiê: Reprodução Assistida - Em foco

Técnicas e dilemas bioéticos frequentes

Por Concília Ortona
O universo dos que procuram por tratamentos contra a infertilidade é significativo no País. Em 2017, foram realizados 36.307 ciclos de reprodução assistida, produzidos 340.458 oócitos, transferidos 68.891 embriões e criopreservados 78.216. O Estado de São Paulo, diga-se, dominava em todas essas categorias, conforme os dados mais recentes dos Bancos de Células e Tecidos Germinativos (BCTGs) − as clínicas de
Reprodução Assistida (RA) −, compilados pelo Sistema Nacional de Embriões (SisEmbrio), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Os números dão a dimensão de quanto a RA ampliou-se nas últimas quatro décadas, desde o nascimento de Louise Brown, em 1978. Os avanços ocorreram, entre outras razões, pelo uso de drogas para melhorar a captação de oócitos e a qualidade de espermatozoides; e o emprego de técnicas mais detalhadas na aspiração dos gametas femininos, fecundação e acondicionamento dos embriões, em locais livres de bactérias.
Tal conjunto permite, por exemplo, que a implantação do embrião possa ser feita no 5º dia de inseminação (antes era no 3°) já em forma de blastocisto e com desenvolvimento melhor e mais garantido. Estudos de diagnóstico pré-implantacional identificam
malformações embrionárias e alterações cromossômicas capazes de inviabilizar a vida, aumentando as chances de que o embrião se desenvolva no útero.
PERFIL DOS USUÁRIOS
Até pouco tempo atrás, o público majoritário das técnicas de RA era de casais com graus variados de infertilidade primária (sem filhos) ou secundária (já geraram filhos, mas não conseguem nova gravidez). Mudanças sociais e culturais ampliaram o acesso a homoafetivos; solteiros sem parceiros, visando a garantir o futuro reprodutivo; mulheres com impedimentos maternos por doenças genéticas (como por exemplo, Síndrome de Rokitansky, malformação das estruturas que dão origem ao útero); e pacientes oncológicos de ambos os sexos, que podem congelar seus gametas e/ou embriões antes de passar por quimioterapia e radioterapia.
TÉCNICAS EM RA
• Inseminação intrauterina (IUU)
– Considerada técnica de baixa complexidade, é indicada, por exemplo, a mulheres com dificuldade moderada para engravidar; que não apresentarem obstrução tubária ou doenças uterinas que impeçam a implantação de embriões; e a homens com o espermograma com contagem baixa.
Começa com a captação e análise dos espermatozoides do parceiro ou doador, identificando os mais rápidos e mais bem direcionados. Por sua vez, a ovulação é programada com o uso de medicamentos e, no momento ideal, o espermatozoide é aproximado do oócito – e a natureza se encarregará de agir. O método tem baixo custo, mas os índices de sucesso por tentativa são modestos, de 20% a 30%.
• Coito programado
– Antes de partir para a inseminação intrauterina, o ginecologista e obstetra pode sugerir essa técnica, porém é ainda menos eficaz. O coito programado ocorre quando a ovulação é estimulada por medicações e, no período fértil, o casal é incentivado a manter relações sexuais frequentes. É uma opção, desde que não haja fatores impeditivos à gravidez, como muco cervical hostil e vaginose bacteriana causada por clamídia, mycoplasma e ureaplasma – que, por si, levam a quadros de infertilidade.
• Fertilização in vitro
– O índice de sucesso por tentativa – de 40% a 50% – desta técnica é o que mais atrai os pacientes. Ela também parte da estimulação ovariana, com a administração de hormônios. O crescimento dos folículos ovarianos é acompanhado por ultrassom e exame de sangue e, quando atingirem o tamanho adequado (entre 15 mm e 18 mm), o oócito será fecundado fora do corpo. Somente depois que o embrião começar a se formar, será inserido no útero.
• Injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI)
– Variação da fertilização in vitro, ocorre quando a inseminação é feita diretamente no oócito II, com o auxílio de microscópio e de uma agulha finíssima. O pré-embrião é mantido em um meio de cultura e, dependendo de sua divisão celular, no quarto ou quinto dia será aproveitado ou não.
• Doação de óvulos
– Faz parte do rol das técnicas de reprodução assistida. Há diversas situações em que a mulher precisa contar com tal apoio por: carregar um mau passado obstétrico; não conseguir engravidar com os métodos disponíveis; apresentar abortos de repetição; tiver falência ovariana congênita ou prematura; ou se a ovulação não for a mais adequada, devido à idade.
Embora existam várias alternativas de cunho médico e técnico, dilemas éticos na área implicam reflexões caso a caso (ver box na pág 19).
REVISÃO DAS NORMAS

Por meio de sua Câmara Técnica de Reprodução Humana e Técnicas de Reprodução
Assistida, o Cremesp contribuiu no texto submetido pelo CFM à consulta pública, ainda
não finalizado, com o objetivo de revisar a Resolução nº 2.168/2017, que traz as normas éticas aos médicos da área.

ICSI é ferramenta contra a infertilidade masculina
Entre as sugestões mais significativas está a que se direciona à cessão temporária de
útero. Além das determinações técnicas e relativas ao grau de parentesco, a voluntária
“deve ter ao menos um filho vivo”, para que ela preserve o direito de ser mãe antes de
ceder o útero, uma vez que há riscos inerentes à gravidez.

No tópico relativo à idade máxima para a doação de gametas – que continua 35
para as mulheres e 50 para homens – a Câmara considera que o limite não deveria
ser aplicado à “doação de embriões testados e euploides”. O grupo aponta ainda
que a resolução não menciona as situações em que todos os embriões devem ser
criopreservados, como hiperestímulo ovariano e endométrio inadequado.

No Cremesp, desde 2008 até maio de 2019, foram autorizadas 178 gestações de
substituição – a grande maioria sem vínculos familiares. A maior parte das solicitações
aconteceu por histerectomia precoce ou condições específicas de um dos parceiros,
como Síndrome de Rokitansky ou Azoospermia total.
* Texto orientado por Mario Antonio Martinez Filho, conselheiro responsável pela Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia; e Lyane Gomes de Matos Teixeira Cardoso Alves, conselheira responsável pela Câmara Técnica de Reprodução Humana e Técnicas de Reprodução Assistida.
Fonte: Revista Ser Médico nº 87 

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