A pesquisa antropológica em um mundo dominado pela imagem




“A Antropologia tem sido, predominantemente, uma disciplina de palavras: uma disciplina na qual se fala, se escreve, se lê. E o mundo de hoje é, cada vez mais, um mundo de imagens e de interatividade. Como a pesquisa antropológica pode se aproximar da linguagem do mundo contemporâneo, sem sacrificar o conteúdo daquilo que é pesquisado?”
Foram reflexões como essa, apresentada por Sylvia Caiuby à Agência FAPESP, que motivaram o Projeto Temático “A Experiência do filme na Antropologia”, atualmente em fase de conclusão. Professora titular na área de Antropologia da Imagem da Universidade de São Paulo (USP) e diretora do Centro Universitário Maria Antonia (Ceuma), Sylvia é a pesquisadora responsável pelo projeto, que tem o apoio da FAPESP.
“Já estamos no terceiro Temático apoiado pela FAPESP. O financiamento aos dois projetos anteriores e a verba obtida por meio do Programa de Apoio à Infraestrutura permitiram modernizar e equipar o Laboratório de Imagem e Som em Antropologia (Lisa), dotando-o de uma infraestrutura ímpar em termos acadêmicos na América do Sul”, disse Sylvia.
Ligado ao Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, o Lisa abriga um acervo com cerca de 1,6 mil vídeos, 8 mil fotos (em papel, diapositivos e negativos de vidro) e mais de 180 horas de material sonoro (em CDs, fitas cassetes e discos), além de documentos de referência (livros, teses e catálogos). Grande parte desse material foi digitalizada e ele está agora arquivado em dois conjuntos de HDs, de 18 terabytes cada, com backup em uma nuvem computacional instalada fora da universidade.
Um destaque do acervo do Lisa é a enorme coleção de fotos em papel de Lux Vidal, professora emérita da USP, que trabalhou durante anos com os Kayapó-Xikrin. Também notáveis como registros que documentam, em parte, a própria história da Antropologia são as fotografias feitas pelos etnólogos alemães naturalizados brasileiros Herbert Baldus (1899-1970) e Curt Nimuendajú (1883-1945) e pelo antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (1908-2009), entre outras.
O Lisa ocupa duas unidades no Conjunto Colmeia da USP e dispõe de sala climatizada e desumidificada com estantes deslizantes para acondicionamento do acervo, auditório para projeção audiovisual, duas ilhas de edição de vídeos (uma em plataforma PC e outra em Mac) e sala acusticamente isolada para edição de som, entre outros equipamentos.
Todos esses recursos estão à disposição de pesquisadores, professores e alunos de Antropologia. E o público, em geral, pode ter acesso, via internet, ao banco de dados do acervo, com a relação completa dos filmes e sinopses, e busca por título, diretor e palavras-chave, bem como à versão integral de 90 filmes produzidos no próprio Lisa. Basta cadastrar-se no site http://www.lisa.usp.br/.
O Lisa reúne atualmente três grupos de pesquisa: o Grupo de Antropologia Visual (Gravi), coordenado diretamente por Sylvia; o Núcleo de Antropologia, Performance e Drama (Napedra), coordenado por John Cowart Dawsey, que concluiu recentemente o Projeto Temático “Antropologia da Performance - Drama, Estética e Ritual” , também apoiado pela FAPESP; e o grupo Pesquisas em Antropologia Musical (PAM), coordenado por Rose Satiko Gitirana Hikiji, que também coordena o Lisa como um todo.
“Em linhas bem gerais, o grande objetivo do nosso projeto temático “A Experiência do filme na Antropologia” é desenvolver formas narrativas que venham se somar ao texto verbal. Como trabalhamos com imagens e sons, seja por meio da análise da documentação audiovisual, seja por meio da produção de resultados de pesquisas, todas as áreas da antropologia, todos os subtemas da antropologia, podem se beneficiar daquilo que fazemos”, comentou Sylvia.
Mas a pesquisadora enfatizou que a relação, absolutamente necessária, entre a produção audiovisual e a antropologia não é tarefa fácil. “Como retratar um ritual funerário em um filme?”, exemplificou.
“Não podemos fazer algo simplista, ou sensacionalista, ou que desconsidere os princípios éticos que balizam a disciplina. Ao mesmo tempo, precisamos levar em conta as especificidades da linguagem cinematográfica, e não fazer a mera transposição do texto acadêmico para o filme. As pesquisas tipicamente antropológicas são estudos de longo prazo, nos quais o pesquisador estabelece relações de confiança e procura captar o ponto de vista do outro. Como apresentar cinematograficamente ou por meio de um ensaio fotográfico os resultados?”, prosseguiu.
De certa forma, a distinção tradicional entre o trabalho do cientista e o trabalho do artista precisa ser superada. “Essa superação de barreiras conceituais é algo que já ocorre, por exemplo, em relação à dicotomia entre documentário e ficção. Verificamos que essa distinção não é operacional”, disse Sylvia.
“A palavra ficção vem do latim fictio, que significa inventado, fabricado. Mas todo documentário é também fabricado, é também construído – no caso, construído pelo pesquisador na relação com as pessoas pesquisadas. As pessoas documentadas em um filme querem aparecer de determinada maneira e não de outra; elas escolhem a maneira como sua imagem deve se tornar pública”, disse.
Ao mesmo tempo – lembrou a pesquisadora –, várias sociedades indígenas, com a assessoria de antropólogos, estão atualmente transformando em filmes suas narrativas míticas. “São filmes encenados, nos quais pessoas da comunidade representam os papéis dos vários personagens míticos. Um filme como esse é documentário ou ficção? Não há divisão clara”, argumentou.
O maior ou menor sucesso no enfrentamento desses e de outros desafios pode ser avaliado assistindo-se aos filmes disponíveis no site do Lisa. Vários deles foram levados a público recentemente na mostra “Contro-Sguardi: retrospectiva do festival de cinema antropológico” , exibida em São Paulo, no Cine Livraria Cultura, no Centro Universitário Maria Antonia e no Cinusp Paulo Emilio, entre 14 e 30 de abril. 

Fonte: Agência Fapesp


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