Consórcio quer melhorar diagnóstico das imunodeficiências primárias
Com o intuito de melhorar as condições de diagnóstico e tratamento das imunodeficiências primárias (IDPs) – grupo heterogêneo de doenças relacionadas a mais de 180 defeitos genéticos que causam o mau funcionamento do sistema imunológico –, foi criado o Consórcio Brasileiro de Referência e de Treinamento em Imunodeficiências Primárias.
A primeira reunião do grupo – que congrega quatro centros do Nordeste (Fortaleza, Natal, Recife e Salvador), dois do Centro-Oeste (Brasília e Cuiabá), sete do Sudeste (Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Campinas, Ribeirão Preto, Botucatu e dois em São Paulo) e três do Sul (Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre) – foi realizada no dia 2 de março, durante as atividades da 2ª Escola São Paulo de Ciência Avançada em Imunodeficiências Primárias (ESPCA-PID), evento que conta com apoio da FAPESP.
“A ideia é facilitar a troca de experiência entre os centros e o treinamento de recursos humanos. Além disso, vamos organizar o tratamento oferecido no Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecendo uma linha de cuidados à criança em vários níveis da assistência”, contou Magda Carneiro-Sampaio, professora de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e uma das idealizadoras do consórcio.
Segundo Carneiro-Sampaio, os professores convidados a participar da 2ª ESPCA-PID também ajudaram a definir políticas públicas em favor dos portadores de imunodeficiências primárias.
Uma das primeiras medidas do grupo será, com auxílio do Ministério da Saúde, divulgar entre os pediatras da assistência básica uma lista de 12 sinais que podem indicar a presença de imunodeficiência primária no primeiro ano de vida, entre eles: infecções graves ou persistentes, reações adversas a vacinas com vírus vivo, cardiopatias congênitas, diarreia persistente e histórico familiar de imunodeficiência ou de morte precoce por infecção.
A lista foi originalmente publicada na revista Pediatric Allergy & Immunology, em 2011, por médicos da FMUSP coordenados por Carneiro-Sampaio, e é resultado de uma pesquisa apoiada pela FAPESP e também dos 35 anos de experiência clínica do grupo.
“Quando os médicos da linha de frente suspeitarem de imunodeficiência primária devem encaminhar para um centro de referência para que seja feito o diagnóstico e o tratamento. Mas o principal é chamar a atenção dos médicos para o problema, pois a maior parte das crianças afetadas morre sem ser diagnosticada”, explicou Carneiro-Sampaio.
Estima-se que as IDPs acometam uma em cada 1,2 mil pessoas no mundo. No Brasil, portanto, deveria haver aproximadamente 165 mil portadores, mas apenas 3 mil casos foram diagnosticados até hoje. Recentemente, o Departamento de Pediatria (Instituto da Criança) e os Departamentos de Clínica Médica e de Dermatologia da FMUSP publicaram um artigo com relato de 1.008 casos de IDPs bem definidas, o que pode representar a maior série de um centro isolado já publicada.
No caso das IDPs graves, que se não tratadas levam a óbito praticamente todos os afetados, a estimativa é que surjam 250 novos casos ao ano no Brasil. A grande maioria morre sem ser diagnosticada.
“Para diminuir a mortalidade infantil no Brasil, que ainda é alta, não adianta mais apenas investir em campanha de vacinação contra a poliomielite e em saneamento básico. Essa fase já passou. Agora é a vez das doenças genéticas e de melhoria da assistência neonatal”, opinou Carneiro-Sampaio.
Feito o diagnóstico, é possível tratar os pacientes com gamaglobulina, principal terapia de substituição para as deficiências de anticorpos que já está bem equacionada na rede pública. Os casos mais graves têm indicação para transplante de células-tronco hematopoiéticas, tratamento que também já é oferecido pelo SUS em três centros do Brasil, mas cujo acesso terá de ser ampliado.
“Normalmente usamos células do cordão umbilical armazenadas em bancos públicos, mas em alguns casos é possível usar células-tronco de irmãos. É uma terapia com grande chance de cura, que possibilita à criança uma vida normal no futuro”, disse Carneiro-Sampaio.
Rastreamento neonatal
Para tentar melhorar o diagnóstico das IDPs graves, o Brasil vai iniciar um projeto-piloto de rastreamento neonatal para um grupo de doenças conhecido como Imunodeficiência Severa Combinada (SCID, na sigla em inglês), que tem esse nome por afetar tanto o sistema de produção de linfócitos B como o de linfócitos T, deixando os bebês altamente suscetíveis a infecções.
Se não tratada por meio de medicamentos ou do transplante de células-tronco hematopoiéticas ainda no primeiro ano de vida, a enfermidade é 100% letal.
O programa-piloto será realizado no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a partir do segundo semestre de 2013, com financiamento do Ministério da Saúde e suporte do Centro de Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês), dos Estados Unidos. A coordenação será de Jorge Andrade Pinto, professor do Departamento de Pediatria da UFMG.
“Pretendemos avaliar 250 mil recém-nascidos participantes do programa de triagem neonatal de Minas Gerais em um intervalo de 12 meses. A julgar pela prevalência encontrada em estudos norte-americanos – de 1 caso em 35 mil triados –, estimamos encontrar 5 a 10 recém-nascidos portadores de SCID e de outras linfopenias graves neste projeto”, disse Andrade Pinto.
Nos Estados Unidos, a triagem neonatal já é feita de forma rotineira na maioria dos estados, tendo começado em Wisconsin no ano de 2008. Os resultados desse trabalho foram apresentados durante a 2ª ESPCA-PID por John Routes, do Children's Hospital of Wisconsin.
“Em todo Estados Unidos já foram diagnosticados 20 bebês com SCID graças ao rastreamento. Se você olha os números dos estados onde esse teste é feito, a incidência é de 1 em cada 50 mil nascidos vivos. Mas a estimativa de acordo com os registros nacionais de casos conhecidos era de 1 em cada 100 mil. Com certeza, havia muitos bebês que morriam sem o diagnóstico”, disse Routes à Agência FAPESP.
Segundo o pesquisador, os bebês portadores de SCID têm aparência normal, o que dificulta a detecção do problema com um simples exame clínico. “Se a doença for descoberta antes que o bebê fique doente, a chance de cura é de 90% a 95%. Além de salvar vidas, o rastreamento permite também identificar novas causas da doença. Já descobrimos genes inesperados relacionados com o desenvolvimento de SCID”, afirmou.
O teste para diagnóstico da doença é feito com o mesmo sangue coletado do recém-nascido para o teste do pezinho tradicional, que visa a detectar doenças congênitas como fenilcetonúria. Tudo é analisado no mesmo laboratório.
“Há diversas mutações genéticas que podem causar SCID, mas todas têm um resultado comum: número muito baixo de linfócitos T, que são extremamente importantes para a imunidade celular. O teste que aplicamos é capaz de detectar se o número de células T está normal ou não. Quando está alterado, a família é chamada e submetida a um exame de sangue para confirmar o diagnóstico”, disse Routes.
Nos Estados Unidos, segundo Routes, o exame custa, em média, US$ 5. “Estimo que no Brasil ele possa custar ainda menos”, avaliou.
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Fonte: Agência Fapesp
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