Inativação do cromossomo X ocorre mais cedo em humanos
Foi a partir da análise de sequências de RNA de células embrionárias isoladas que o grupo das pesquisadoras Lygia da Veiga Pereira e Maria Vibranovski, no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), conseguiu demonstrar que o processo de inativação de um dos cromossomos X em embriões humanos ocorre logo no início do período embrionário, e de forma lenta, entre o quinto e o sétimo dia de desenvolvimento do embrião.
A inativação de um dos cromossomos X em embriões humanos era ainda de certa forma um mistério. Sabe-se que o processo é fundamental para a viabilidade do embrião, pois nele um cromossomo inteiro é inativado e, com isso, seus genes deixam de ser expressados. Porém, por ocorrer durante o desenvolvimento embrionário, ele foi pouco estudado em humanos.
Acreditava-se que o processo era igual ao de camundongos, que ocorre assim que o blastocisto – embrião em estágio avançado de desenvolvimento – implanta-se no útero e as células começam a se diferenciar e não antes como mostrou o estudo da USP.
“O mais interessante é que para essa descoberta não usamos uma gota de reagente. Foi tudo feito com o auxílio da bioinformática. Fizemos um teste matemático para ter uma resposta biológica”, disse Veiga Pereira, chefe do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias (LaNCE USP) e pesquisadora do Centro de Terapia Celular (CTC), à Agência FAPESP. O estudo foi publicado na Scientific Reports. O CTC é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP.
As pesquisadoras trabalharam com dados de sequenciamento de embriões humanos publicados em 2013 na Nature Structural & Molecular Biology por um grupo chinês. Naquele momento, a tecnologia de sequenciamento de RNA de células únicas (scRNAseq) ainda não estava disponível no Brasil.
“Os dados do sequenciamento de que precisávamos estavam disponíveis no artigo dos pesquisadores chineses. Mas eles fizeram um experimento para responder a outra pergunta. Enquanto o nosso foco era compreender a inativação do X, eles queriam analisar a mudança de expressão gênica no embrião como um todo”, disse Veiga Pereira.
Coube à equipe brasileira analisar os dados com o apoio de estratégias estatísticas e de bioinformática, além de determinar o sexo dos embriões com base nos dados de RNA e avaliar a expressão dos genes no cromossomo X.
Em humanos, o cromossomo X faz parte do sistema de determinação dos sexos. Mulheres carregam duas cópias do cromossomo em cada célula, enquanto nos homens há um cromossomo X e um Y. O cromossomo X representa cerca de 5% do DNA humano e tem cerca de mil genes.
A compensação de dosagem é fundamental para a vida. O processo também é descrito desde nematodos da espécie C. elegans a moscas drosófilas e mamíferos. Porém, todos eles com mecanismos diferentes. Nos C. elegans, os dois cromossomos X da fêmea são suprimidos “para que a soma dê igual a um do macho”, disse Veiga Pereira.
Na drosófila, é o macho que duplica a expressão do seu cromossomo X. Já em mamíferos, há um terceiro tipo de mecanismo: a inativação em cada célula da fêmea de um dos dois cromossomos X.
“A inativação do cromossomo X é um exemplo extremo de controle epigenético [conjunto de processos bioquímicos desencadeados por estímulos ambientais que moldam o funcionamento do genoma sem alterá-lo]. Ela nivela a atividade genética, os transcriptomas, das fêmeas à dos machos. Quando isso não ocorre, aquele embrião não é compatível com a vida”, disse Veiga Pereira.
Desbancando o dampening
O estudo também tem um detalhe curioso, pois conseguiu desbancar uma hipótese publicada em dezembro de 2016 na revista Cellpor um grupo da Suécia. Os autores afirmavam que a inativação do cromossomo X seria uma espécie de enfraquecimento dos dois cromossomos X. O processo foi batizado de X dampening.
“A estratégia da pesquisa era a mesma da nossa. Porém eles sequenciaram os embriões e chegaram a um resultado diferente. Isso foi inesperado e rapidamente passou a ser aceito pela comunidade científica”, disse.
Pereira explica que ao analisar os dados da equipe sueca foi notado que, embora o número de embriões fosse muito maior em comparação com os dados do estudo chinês, a cobertura do sequenciamento era baixa. “Concluímos que eles não tiveram poder estatístico para conseguir enxergar a inativação do X”, disse.
Os resultados do estudo realizado no CTC ajudam também a aumentar o entendimento sobre o comportamento em cultura das células-tronco derivadas de embrião.
“Se quisermos trabalhar com células que ainda não tenham inativado o cromossomo X, teremos que usar estágios mais iniciais do desenvolvimento embrionário. Talvez seja preciso trabalhar com a mórula [primeiro estágio da embriogênese do zigoto], pois agora sabemos que nos blastocistos isso já começou”, disse Veiga Pereira.
O artigo Early X chromosome inactivation during human preimplantation development revealed by single-cell RNA-sequencing (doi: 10.1038/s41598-017-11044-z), de Joana C. Moreira de Mello, Gustavo R. Fernandes, Maria D. Vibranovski e Lygia V. Pereira, pode ser lido no Scientific Reports em www.nature.com/articles/s41598-017-11044-z#Ack1.
Fonte: Agência Fapesp
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