Estudos mostram que o lítio pode ser benéfico para o cérebro e para outros órgãos e sistemas corporais

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O lítio foi introduzido na prática psiquiá­trica na segunda metade do século passado e tornou-se referência para o tratamento de transtornos mentais graves, sobretudo aqueles que cursam com agitação psicótica. Persiste até os dias de hoje como referência para o tratamento da mania aguda e prevenção de recaídas no transtorno afetivo bipolar (TAB), apesar de induzir efeitos adversos relevantes e de haver opções terapêuticas com margens de segurança mais amplas. Os sais de lítio figuram entre os medicamentos considerados “essenciais” pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que relaciona os compostos de presença obrigatória nos serviços de saúde.
Estudos mostram que os efeitos pleiotrópicos do lítio podem ser benéficos não apenas para o cérebro, mas também para outros órgãos e sistemas corporais. Isso pode reposicionar seu uso para o tratamento de outras doenças médicas. Neste artigo, revisitaremos alguns aspectos históricos sobre a descoberta do lítio e sua utilização no tratamento das doenças mentais, os seus mecanismos de ação e o potencial para o tratamento e prevenção de transtornos neurodegenerativos, com ênfase na Doença de Alzheimer (DA).

Lítio e neuroproteção
Evidências do efeito neuroprotetor do lítio advêm de modelos experimentais e estudos de neuroimagem. O uso crônico do lítio em pacientes com TAB associa-se ao aumento do volume da substância cinzenta cerebral e melhora da viabilidade tecidual. Associa-se também a uma menor prevalência de demência, em comparação com pacientes com TAB tratados com outros estabilizadores do humor. Esse benefício parece ser independente dos parâmetros de resposta terapêutica, ou seja, decorre dos efeitos biológicos do lítio sobre sistemas relacionados à preservação da homeostase cerebral.
A inibição da GSK3β pelo lítio exerce efeito duplamente favorável sobre as principais vias patogênicas da DA: a cascata do β-amilóide e a hiperfosforilação da proteína Tau, que levam à formação das placas senis e dos emaranhados neurofibrilares, marcadores patológicos da doença. Além disso, o lítio aumenta a expressão de Bcl-2, uma proteína citoprotetora que auxilia na regeneração de axônios, inibindo a apoptose e favorecendo a remodelagem do citoesqueleto neuronal. Em modelos experimentais, o lítio estimulou a neurogênese cerebral no giro denteado do hipocampo.
Portanto, o efeito protetor do lítio contra mecanismos patogênicos da DA e outras demências parece decorrer de suas propriedades biológicas intrínsecas. A comprovação dessa hipótese, partindo da bancada do laboratório para o ambiente clínico, começou a tomar corpo a partir de estudo que mostrou, de forma controlada, que o uso prolongado de carbonato de lítio em doses sub-terapêuticas foi capaz de atenuar a deterioração cognitivo-funcional e de reduzir a taxa de conversão para demência em uma população de alto risco para este desfecho. Esse efeito clínico foi acompanhado da mudança do perfil de biomarcadores liquóricos da DA.

Otimismo e cautela
Não apenas no TAB e na DA, como também em outras doenças que afetam o sistema nervoso, o lítio tem sido considerado como potencialmente benéfico para o tratamento primário e para a atenuação de perdas degenerativas. Há ensaios clínicos em andamento em pacientes com DA, lesão medular, esclerose lateral amiotrófica e doenças de Parkinson e Huntington.
Evidências derivadas de modelos pré-clínicos e clínicos dão suporte à hipótese de que os efeitos neurotróficos e neuroprotetores do lítio ocorrem pela ação sobre múltiplos processos metabólicos celulares relacionados à sobrevivência neuronal, neuroplasticidade, controle transcricional, metabolismo energético e resiliência contra insultos neurotóxicos. Alguns desses mecanismos podem estar representados entre os processos patogênicos centrais de algumas doenças; outros podem representar respostas inespecíficas favoráveis à resiliência neuronal e à resposta neurotrófica.
Naturalmente, o uso clínico do lítio no momento atual do conhecimento deve limitar-se às condições para as quais a sua indicação tenha sido estabelecida com base em evidências científicas – como é o caso do uso do lítio nos transtornos do humor. Para as demais situações, deve-se aguardar o desenvolvimento das pesquisas que, com otimismo, darão subsídio às novas indicações.

Referências bibliográficas
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Orestes V. Forlenza - professor associado do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Fonte: Revista Ser Médico - Edição 80


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