Sensor detecta biomarcador de esclerose múltipla nos estágios iniciais da doença
Em pessoas acometidas por essas enfermidades, o sistema imune produz anticorpos que atacam e danificam parte da camada da bainha de mielina que envolve os neurônios e auxilia na transmissão de impulsos nervosos. Com o tempo, surgem lesões permanentes em regiões do cérebro.
A partir de um nanobiossensor originalmente desenvolvido para detectar herbicidas, metais pesados e outros poluentes, o grupo da UFSCar criou um método que permite observar a interação entre os anticorpos presentes nas amostras de pacientes depositadas em um microscópio de força atômica e os peptídeos que compõem a bainha de mielina.
O equipamento utiliza para isso uma técnica, conhecida como espectrometria de força, para medir a força das interações entre essas moléculas.
“Com o microscópio de força atômica é possível detectar a presença de anticorpos específicos para cada uma dessas duas doenças no líquor e no soro sanguíneo. Se os anticorpos forem atraídos pelos peptídeos que depositamos no sensor durante o teste, é sinal de que o paciente tem a doença. O equipamento é muito sensível e capaz de identificar uma quantidade pequena desses anticorpos, ou seja, é capaz de diagnosticar ainda nas fases iniciais da doença”, conta Fabio de Lima Leite , pesquisador do Centro de Ciências e Tecnologias para a Sustentabilidade da UFSCar e autor do artigo publicado na revista Ultramicroscopy.
Leite iniciou a pesquisa em nanobiossensores há mais de 10 anos, com auxílio da FAPESP por meio do programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes, e prosseguiu o estudo na condição de coordenador do Grupo de Pesquisa em Nanoneurobiofísica (GNN) da UFSCar.
A migração da detecção de herbicidas para a identificação de anticorpos se deu principalmente por causa da atual dificuldade em diagnosticar as doenças desmielinizantes.
Geralmente, a esclerose múltipla é diagnosticada clinicamente, a partir de sintomas relatados pelo paciente e exames de ressonância magnética, que identificam lesões em determinadas áreas do cérebro.
“Além de ser mais preciso e evitar erros de diagnóstico, é um método mais barato também. O microscópio de força atômica custa R$ 100 mil, já o equipamento de ressonância magnética está em torno de R$ 2 milhões”, diz Leite.
Os pesquisadores ressaltam que, quanto antes essas doenças forem diagnosticadas, mais cedo se inicia o tratamento e menor será o risco de sequelas. “Não existe cura, mas o diagnóstico precoce pode dar qualidade de vida e um tratamento mais adequado a esses pacientes”, afirma Ariana de Souza Moraes, pesquisadora da UFSCar e coautora do artigo.
No estudo, os pesquisadores utilizaram soro e líquor de pacientes, em diferentes estágios da doença, que estavam fazendo tratamento no Hospital das Clínicas da Unesp, em Botucatu, sob responsabilidade de Doralina Guimarães Brum, e no Instituto do Cérebro de Sorocaba, de Paulo Diniz da Gama. As amostras precisaram ser purificadas pela empresa RheaBiotech, apoiada pela FAPESP por meio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) e administrada por Luís Antonio Peroni.
Para o desenvolvimento do sensor foi necessária a síntese de peptídeos da proteína básica de mielina (MBP, na sigla em inglês) realizada no laboratório de Química de Peptídeos da Universidade de São Paulo (USP), coordenado por Maria Teresa Machini.
“Foi necessário purificar o líquor e o soro para deixar só os anticorpos na amostra. Assim, foi possível detectar anticorpos específicos para a esclerose múltipla, como o anti-MBP85-99 [antiproteína básica de mielina]. Se esses anticorpos estão circulando nos pacientes, é provável que eles tenham esclerose múltipla. Nosso próximo objetivo no estudo é conseguir fazer um sensor que não precisa de amostras purificadas”, diz Leite.
Em outro estudo, publicado recentemente na Scientific Reports, os pesquisadores da UFSCar conseguiram identificar a neuromielite óptica em pacientes e distingui-los de pacientes acometidos pela esclerose múltipla. “Já existe um biomarcador específico para a doença. Portanto, foi possível detectar o anticorpo da aquaporina-4 em amostras de pacientes, utilizando o mesmo método usado para detectar a esclerose múltipla”, conta Moraes.
Atualmente, a neuromielite óptica pode ser identificada por uma metodologia conhecida como ELISA (ensaio de imunoabsorção enzimática, na sigla em inglês), de baixo custo e amplo alcance para a população. “Porém, essa plataforma não é tão sensível quanto o nanoimunossensor e não detecta a doença em estágios iniciais”, diz Moraes.
Outra vantagem da tecnologia é permitir diferenciar as duas doenças, evitando erros ainda comuns de diagnóstico. “São enfermidades com sintomas parecidos, mas mecanismos de ação e tratamentos diferentes. Em um caso se recomenda imunomodulador, e no outro, imunossupressor. A confusão no diagnóstico pode agravar a doença. Quando um paciente com neuromielite óptica é tratado como se tivesse esclerose múltipla, a inflamação do nervo óptico é apressada e não tem como reverter. A expectativa é que no futuro essa ferramenta seja um grande avanço para pacientes com doenças desmielinizantes”, afirma Moraes.
O artigo Nanoimmunosensor based on atomic force spectroscopy to detect anti-myelin basic protein related to early-stage multiple sclerosis (doi: 10.1016/j.ultramic.2020.112946), de Pâmela Soto Garcia, Doralina Guimarães Brum, Osvaldo N. Oliveira Jr, Akemi Martins Higa, Jéssica Cristiane Magalhães Ierich, Ariana de Souza Moraes, Flávio Makoto Shimizu, Nancy M.Okuda-Shinagawa, Luís Antonio Peroni, Paulo Diniz da Gama, M. Teresa Machini, Fabio Lima Leite, pode ser lido em www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0304399119301019.
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