O sentido da vida

Está claro neste estágio do desenvolvimento da humanidade que não há, nunca houve nem haverá programa melhor do que ter as costas coçadas pelas habilidosas mãos da mulher amada. Eis o sentido da vida, a razão pela qual não jogamos a toalha e seguimos trabalhando, nos chacoalhando pelo trânsito e comendo o pão que o diabo amassou. Quando estamos deitados, sujeitos às maravilhosas sensações causadas pelo ir e vir daqueles dedos sobre as nossas costas, nos lembramos: Ahhhh, então é por isso que eu vivo! Essa a razão de me alimentar, respirar, vestir-me todos os dias, ter bons modos e respeitar as leis (todas elas: as sociais, constitucionais, físicas e metafísicas).

O que somos nós no universo? Nada! Somos um brevíssimo acidente; um choque de matéria: “sistema físico-químico de células noturnamente conscientes”; um detalhe ínfimo e insignificante que perambula e tagarela por uma bolinha azul, também ela um detalhe, ínfimo e insignificante, que gira ao redor de uma esfera de fogo que se encontra na ponta de uma espiral feita por milhares e milhares de outras bolinhas, todas igualmente ínfimas e insignificantes, num universo gigantesco e que se expande, a despeito de nossa existência, de nossa vontade, de nossas opiniões morais, nossos comentários sobre os filhos do vizinho, dos gastos norte-americanos com a indústria militar ou da última partida da seleção. Do pó viemos, ao pó retornaremos; nesse meio tempo, no entanto, poderemos ter as costas coçadas pela mulher amada, e isso já basta.

Ter as costas coçadas é o melhor que pode acontecer a um homem, mas não é, nem de longe, uma coisa simples. Em primeiro lugar, a pessoa escolhida para a tarefa não pode ser qualquer uma. Não se pede à senhorita no ponto de ônibus, assim como se pergunta as horas: “Por favor, mocinha, será que você poderia me coçar aqui do lado direito, ó?”. Jamais! Só duas pessoas na terra estão autorizadas a desempenhar a função: nossa mãe, na infância, e a mulher amada pela vida afora. E se encontrar uma mãe é tarefa simplíssima desde a mais tenra idade, bastando para isso olhar para fora do berço (e excluir o cara de bigode), encontrar a mulher amada (e convencê-la a casar-se, dividir a cama e, por fim, coçar as nossas costas) já é um negócio um pouco mais complexo. A maioria das pessoas, no entanto, consegue.

Após encontrar uma mulher, há ainda um longo caminho a percorrer. A adaptação de seus dedos, o comprimento de suas unhas, a velocidade dos movimentos, a pressão realizada, tudo isso deve ser longamente trabalhado, em tardes chuvosas de domingo, em longas manhãs de sábado, em dedicadas férias na praia. Cada casal (e cada povo) tem a sua maneira própria de desenvolver o dom. Não só a comunicação dos corpos deve ser exaustivamente treinada, mas também a comunicação verbal. A mulher amada deve saber exatamente o que queremos dizer quando falamos, quase gritando: “Aí! Aí! Continua!”, e ser capaz de atingir em milésimos de segundo o ponto exato assim que imploramos: “Pra direita! Pra direita e pra baixo! Vai! Vai! Aí! Pára!!! Aí! Fica! Mais pra esquerda! Aí! Aí! Ahhhhhhhh!!!”

Coçar as costas é infinitamente superior ao sexo justamente pela razão que poderia sugerir a sua inferioridade: a ausência de orgasmo. O sexo, em alguns minutos, atinge o seu auge e termina, assim como o nosso desejo. Coçar as costas não só não tem auge (todo o tempo é o auge), como é uma atividade que se auto-alimenta. Uma passada das unhas sana um foco de coceira, mas cria imediatamente outro, como se fôssemos o borrachudo de nós mesmos. Coçar as costas é, portanto, o moto-contínuo do prazer.

Dada a plenitude alcançada nesta atividade, ter as costas bem coçadas pode ser extremamente perigoso. Há relatos na literatura médica em que o prazer intenso e prolongado chegou a levar um sujeito ao desmaio, e dizem que um capítulo inteiro do Kama Sutra, dedicado ao tema, foi suprimido por um sábio conselho de anciãos hindus, preocupado com as consequências sociais da divulgação dos conhecimentos. Médicos têm alertado que a quantidade de substâncias cerebrais liberadas (tais como serotonina, dopamina e adrenalina) pode levar à demência e, em casos extremos, à morte. Coisa que jamais aconteceu, pois, como a brincadeira a dois só traz prazer a uma das partes, a festa termina assim que a outra – a mulher amada – se cansa e, apesar de nossos insistentes protestos, vai ler uma revista na sala. Prostrados na cama, tremendo, ouvindo as batidas do coração, sorrimos, agradecidos ao universo por nos ter concedido essa ínfima e insignificante passagem pelo tempo e o espaço, agradecidos de que existam costas, dedos, mulheres amadas, manhãs de sábado, tardes de domingo, férias na praia e todas essas coisas que também se chamam vida, mundo, cosmo ou sei lá o quê.


Crônica de Antonio Prata
Fonte: Revista Ser Médico nº 66


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