Mutações genéticas aumentam o risco de tuberculose
Em parceria com um grupo do Hospital Necker, de Paris, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) investigam como nove diferentes mutações genéticas podem impedir o sistema imunológico de combater adequadamente infecções causadas por micobactérias, entre elas a tuberculose e a hanseníase.
Embora por caminhos diferentes, os defeitos genéticos estudados levam ao mau funcionamento do chamado sistema NADPH oxidase (nicotinamide adenine dinucleotide phosphate-oxidase) – responsável em algumas células de defesa pela produção das espécies reativas de oxigênio essenciais no combate a esse tipo de patógeno.
De acordo com os pesquisadores, a descoberta abre caminho para novos tratamentos. “Já existem medicamentos capazes de ativar o sistema NADPH oxidase e estimular o sistema imunológico a combater esse tipo de infecção. Com base nas novas evidências, podemos pensar em iniciar testes clínicos com essas drogas”, afirmou Antonio Condino Neto, professor do Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e coordenador do estudo apoiado pela FAPESP.
A parceria com a França – realizada no âmbito de um acordo de cooperação entre a FAPESP e o Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale (Inserm) – começou quando o grupo liderado pelo francês Jean-Laurent Casanova descobriu em duas famílias de portadores de uma forma atípica de tuberculose uma mutação no gene CYBB, responsável por codificar uma proteína chamada gp91phox.
O grupo de Casanova já havia descoberto outras sete mutações associadas à suscetibilidade genética a infecções causadas por micobactérias. No entanto, nenhuma delas foi encontrada nas duas famílias estudadas. Ao fazer nesses pacientes o sequenciamento completo do exoma – parte do genoma que contém informações para a produção de proteínas –, os cientistas descobriram o defeito no gene CYBB.
“Até aquele momento, a literatura científica associava mutações no gene CYBB apenas ao desenvolvimento da doença granulomatosa crônica (DGC), um tipo de imunodeficiência primária que nosso grupo da USP vem estudando há muitos anos. Casanova ficou intrigado para descobrir como a mutação genética da DGC poderia causar essa forma atípica de tuberculose e então nos convidou para fazer parte da equipe”, contou Condino Neto.
Durante o doutorado de Carolina Prando, realizado sob a orientação de Condino Neto na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o grupo mostrou que a mutação no gene CYBB, no caso dessas duas famílias, prejudicava o funcionamento do sistema NADPH oxidase nos macrófagos.
“O defeito genético desestabilizou a proteína gp91phox e, dessa forma, o sistema NADPH oxidase – responsável pela atividade microbicida dentro dos macrófagos – não funcionava. Nesse caso, o macrófago até consegue fagocitar a bactéria, mas não consegue matá-la por ser incapaz de produzir as espécies reativas de oxigênio”, explicou Condino Neto.
Os resultados do estudo foram divulgados em artigo publicado em 2011 na revista Nature Immunology. “Conseguimos mostrar que defeitos no gene CYBB, dependendo do tipo de mutação, podem resultar tanto em doença granulomatosa crônica como em suscetibilidade genética a micobactérias”, disse Condino Neto.
A diferença, explicou o pesquisador, é que em vez de afetar somente os macrófagos, a DGC afeta a capacidade microbicida de todos os leucócitos, causando uma imunodeficiência muito mais severa.
Elo encontrado
Durante o doutorado de Walmir Cutrim Aragão Filho e de Edgar Borges de Oliveira Junior – ambos orientandos de Condino Neto e bolsistas da FAPESP –, o grupo investigou mais profundamente o papel das espécies reativas de oxigênio na defesa contra a tuberculose e outras infecções micobacterianas.
Para o sistema NADPH oxidase das células de defesa funcionar corretamente, explicou Condino Neto, são necessárias cinco proteínas trabalhando em sinergia – duas na membrana e três no citoplasma. Quando uma delas sofre mutação, acontece a falha funcional do sistema e a produção das espécies reativas de oxigênio é interrompida.
A mutação no gene CYBB, no entanto, é a única das nove descobertas por Casanova que afeta diretamente uma proteína do sistema NADPH oxidase. “Durante o doutorado de Aragão Filho mostramos que as outras mutações que afetam os receptores da citocina interferon gamma (IFNγ) também interferem no funcionamento do sistema NADPH oxidase. Nesse caso, o defeito na liberação de espécies reativas de oxigênio é acentuado. Até então, não se sabia qual era o elo entre todas essas mutações”, disse Condino Neto.
Os resultados da pesquisa foram divulgados em artigo publicado no Scandinavian Journal of Immunology.
Agora no pós-doutorado, Oliveira Júnior investiga com apoio da FAPESP os mecanismos funcionais de uma mutação no gene GATA2, também causadora de suscetibilidade a infecções por micobactérias. Os resultados devem ser publicados em breve.
Novas terapias
Com base nas evidências sobre o papel fundamental do sistema NADPH oxidase no combate a micobactérias, Condino Neto defende o uso de substâncias como a citocina IFNγ – que já é um medicamento de uso comercial – no tratamento da tuberculose, hipótese a ser testada em futuros estudos clínicos.
“Na minha visão de imunologista, penso que o caminho para tratar essa doença não é desenvolver antibióticos cada vez mais fortes e sim novos medicamentos capazes de estimular o sistema imunológico para torná-lo capaz de matar as micobactérias”, avaliou o pesquisador.
O estudo Genética humana nas infecções micobacterianas: novos defeitos genético moleculares envolvidos na susceptibilidade mendeliana a infecções por micobactérias foi realizado, com apoio da FAPESP, entre abril de 2011 e março de 2013.
Fonte: Agência Fapesp
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