Instituto do Sono é referência internacional em pesquisa
O sono é um fantástico laboratório de pesquisa ainda pouco explorado pelas ciências. Alternando-se com a vigília, evolui em ciclos, com intensa atividade química e biológica, e repercutindo estados emocionais, entre outros.
“Não há nada mais importante na homeostase humana do que ele”, afirmou Sergio Tufik, coordenador do Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), referindo-se aos mecanismos de autorregulação e estabilização interna dos organismos. “A privação de sono é uma condição gravíssima, que afeta todas as funções do organismo, alterando, por exemplo, as funções cerebrais.”
O Instituto do Sono, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) mantidos pela FAPESP entre 2000 e 2013, realizou estudos que identificaram, por exemplo, a relação entre distúrbios respiratórios durante o sono e problemas circulatórios e cardíacos, e a relação entre noites mal dormidas e disfunções hormonais. O instituto disponibilizou ainda à população a realização de exames de polissonografia (PSG), que monitoram, nos pacientes adormecidos, diversas variáveis indicadoras da boa ou má qualidade do sono e de seus impactos sobre a saúde.
E suas pesquisas sobre distúrbios de sono e condições de trabalho contribuíram para recomendações sobre a necessidade de repouso em atividades como a dos motoristas de ônibus. Foi graças ao instituto que as doenças do sono foram incluídas no rol das ocorrências cobertas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
As investigações relacionadas com esses distúrbios ganharam destaque na agenda da pesquisa em todo o mundo quando a restrição de sono se tornou um “estado crônico” da sociedade moderna: os ritmos biológicos deixaram de acompanhar o ciclo circadiano. “Antigamente, o sol nascia, bloqueava a melatonina, fazendo a pessoa dormir. Com a iluminação artificial tudo mudou. As pessoas podem trabalhar e se divertir à noite, isso sem falar na televisão, na internet e em todos os outros recursos disponíveis. A modernidade fez com que as pessoas passassem a dormir menos”, analisou Tufik.
A primeira organização dedicada ao estudo de doenças relacionadas ao sono surgiu nos Estados Unidos, em 1979. Alguns anos depois iniciaram-se as pesquisas na Unifesp que viriam a deslanchar a partir de 2000, quando o Instituto do Sono passou a integrar o programa CEPID apoiado pela FAPESP.
Ao longo de 12 anos, os pesquisadores investigaram a correlação de mão dupla entre a qualidade de sono e as várias enfermidades decorrentes de noites insones ou mal dormidas. Alterações cardíacas, problemas imunológicos, psoríase, disfunção erétil e até câncer foram algumas das condições relatadas.
Descobriu-se, por exemplo, que a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) – uma parada respiratória que se prolonga por mais de 10 segundos – pode provocar alterações funcionais e estruturais no coração. Utilizando ecocardiografia com imagens tridimensionais, os pesquisadores constataram que, quando a pessoa faz o movimento de inspirar e o ar não entra, há uma pressão negativa dentro do tórax que reduz o retorno de sangue do pulmão para o lado direito do coração, impedindo que ele se encha por inteiro, e forçando o átrio esquerdo a se contrair mais.
“Essa musculação cardíaca altera a estrutura do átrio esquerdo, a ponto de reduzir o volume de sangue bombeado”, explicou Dalva Poyares, coordenadora do estudo, que envolveu 56 pacientes com diagnóstico de apneia e foi publicado na revista especializada Heart no final de 2009. “Apesar de ser uma obstrução que ocorre na garganta, a apneia pode afetar a circulação inteira, de modo a causar problemas mecânicos no coração. Se não forem tratados, estes tendem a se tornar permanentes. E, ao longo do tempo, podem levar até a insuficiência cardíaca”, detalhou a pesquisadora.
A pesquisa mencionada fez parte de um estudo maior, “Estratificação de risco cardiovascular em pacientes com apneia do sono”, que avaliou mais de 600 pessoas. “Foram publicados 10 artigos em decorrência desse estudo”, informou Poyares.
A SAOS acomete principalmente homens de meia-idade. Caracteriza-se por roncos intensos e interrupções da respiração (apneias), que levam à queda da oxigenação e fragmentação do sono. O paciente em geral não percebe os sintomas durante o sono, mas, ao longo do dia, apresenta cansaço ou fadiga, sonolência e prejuízo cognitivo.
Outras pesquisas realizadas no instituto permitiram correlacionar a SAOS com a síndrome metabólica (SM), prevalentes em pessoas com obesidade, principalmente do tipo abdominal, disse Sônia Maria Togeiro, pesquisadora e professora do Instituto do Sono.
A definição de síndrome metabólica exige a presença de pelo menos três dos seguintes componentes: adiposidade abdominal; pré-diabetes ou diabetes, dislipidemia (aumento de colesterol ou triglicérides) e hipertensão arterial.
“Em nossas pesquisas, detectamos que, quanto mais grave a apneia obstrutiva do sono do grupo pesquisado, maior o número de indivíduos com síndrome metabólica e com maior número de componentes da síndrome”, disse Togeiro.
Em um estudo epidemiológico com 1.042 participantes da cidade de São Paulo, constatou-se que a presença da SAOS aumentava o risco de pré-diabetes e diabetes, independentemente da obesidade e de outros fatores conhecidos.
“Avaliamos o efeito do tratamento da SAOS com um aparelho que impede o fechamento da faringe e reverte a apneia. Mensuramos o cortisol (hormônio relacionados ao estresse) e as substâncias inflamatórias associadas ao risco cardiovascular. E obtivemos redução desses fatores”, relatou a pesquisadora.
“Nossa pesquisa sugere que a apneia obstrutiva do sono pode agravar a síndrome metabólica e aumentar o risco metabólico e cardiovascular. Mas ainda necessitamos de estudos de coorte (ou seja, com seguimento de anos) para confirmar esses achados”, concluiu.
Segundo a pesquisadora, existem atualmente propostas para que se inclua na definição de síndrome metabólica a presença da síndrome da apneia obstrutiva do sono. Assim, ao diagnosticar a SM, o médico também estará alerta para a possibilidade de ocorrência de mais uma doença, a SAOS, que faz parte do mesmo espectro.
No entanto, a preocupação de que um episódio de apneia possa, por si mesmo, levar ao óbito não procede. “O quadro é revertido depois de um breve intervalo de tempo, porque existe uma sinalização química, regida por oxigênio (O2) e dióxido de carbono (CO2,), que informa o cérebro acerca da carência respiratória. Então, o cérebro envia um comando que promove um microdespertar, possibilitando à pessoa retomar o ritmo respiratório normal”, explicou Poyares.
Mesmo assim, em razão dos efeitos deletérios da apneia, foi desenvolvido um aparelho, o CPAP, que, acoplado a uma máscara, lança ar no nariz durante o sono, regularizando a respiração da pessoa que tem essa síndrome.
Oitocentos médicos especialistas
O Instituto do Sono está instalado em um edifício de 15 andares, com fachada de alumínio e vidro, na Vila Mariana, em São Paulo. “Temos hoje o maior e melhor instituto do sono do mundo”, disse Tufik. Com 74 leitos em sua unidade principal e 10 leitos em uma unidade auxiliar, todos eles equipados com aparelhos de polissonografia, o Instituto do Sono tem capacidade para realizar 100 exames por dia e já atendeu 170 mil pacientes desde a sua fundação, em 1992.
No âmbito educacional, especializou 800 médicos em medicina do sono e formou 1018 técnicos e 94 analistas de polissonografia, além de 18 odontólogos (que produzem aparelhos para o controle de apneia). “Esses 800 médicos estão hoje instalados em 700 laboratórios espalhados pelo país”, afirmou Tufik.
O coordenador orgulha-se de ter conseguido colocar a polissonografia e o tratamento do sono no rol de procedimentos cobertos pelo SUS. E dos vários equipamentos idealizados no instituto: uma pulseira que mede se o indivíduo está dormindo ou acordado (importante para prevenir casos de sonolência durante a condução de veículos) e uma balança que mede o equilíbrio e permite detectar o quanto a pessoa está privada de sono.
O instituto contribuiu ainda para disseminar informações sobre a apneia e os efeitos deletérios do ronco. “Por meio de uma forte atuação na mídia (só no programa Globo Repórter tivemos 15 participações), informamos à população que roncar é péssimo: diminui a concentração de oxigênio no sangue, provoca hipertensão e pode até levar ao infarto. Isso tudo não era conhecido.”
Fonte: Agência Fapesp
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