Tempo na UTI neonatal pode ter impacto no comportamento de bebês prematuros



O bebê nasceu antes do esperado. É preciso ir imediatamente para a UTI neonatal, pois só assim ele sobreviverá. Como o pulmão ainda não está completamente formado, em minutos ele é entubado. O equipamento indica que o coração bate forte, mas ainda é preciso uma série de procedimentos, alguns dolorosos, para que ele ganhe peso e sobreviva.
A cena é muito comum, ainda mais no Brasil que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, é o 10º país com a maior taxa de nascimento prematuro. Mas a cena revela também a existência de um paradoxo: ao mesmo tempo que a UTI neonatal é altamente estressante para o bebê, é somente nesse ambiente e com o apoio da equipe multiprofissional especializada em recém-nascidos que ele pode sobreviver.
De acordo com estudo realizado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), apoiado pela FAPESP, independentemente do nível de prematuridade e da presença de displasia pulmonar e retinopatia da prematuridade, é o tempo de internação na UTI neonatal que impacta nos problemas de comportamento relacionados ao eixo de regulação emocional dos bebês.
Para os pesquisadores, o achado confirma a necessidade de programas de cuidados do desenvolvimento na estrutura das UTIs neonatais, tanto para reduzir experiências estressantes e dolorosas como para melhorar as estratégias de proteção durante o desenvolvimento inicial do bebê.
O estudo examinou efeitos das características neonatais e sociodemográficas sobre o temperamento e o comportamento na infância em 100 bebês prematuros de 18 a 36 meses de idade com diferentes níveis de prematuridade.
Todos os bebês participaram do programa de atendimento da UTI Neonatal do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da FMRP-USP, local onde foram aplicadas a escala de temperamento, que avalia o perfil de temperamento dessas crianças, e uma escala de indicadores e problemas de comportamento.
As mães dos bebês que preencheram os critérios de inclusão no estudo – entendimento de como funcionam os instrumentos usados para a avaliação do temperamento – participaram com entrevistas e respondendo a questionários.
Crianças com malformação, grau três de hemorragia intracraniana e com aparente problema cognitivo não participaram do estudo. Trinta e seis crianças participantes apresentaram displasia broncopulmonar e 63, retinopatia severa da prematuridade, as doenças mais comuns entre prematuros.
“Estudos anteriores compararam crianças nascidas pré-termo e a termo, visto que as pré-termo têm maior propensão a apresentar problemas de comportamento. No nosso estudo, avançamos no entendimento do desenvolvimento dos prematuros. O risco existe, mas é identificando esses riscos que podemos elaborar estratégias de proteção, prevenção e intervenção para melhorar o desenvolvimento dessas crianças”, disse Rafaela Guilherme Monte Cassiano, psicóloga, doutoranda do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da FMRP-USP e uma das autoras do estudo, publicado na revista Early Human Development.
De acordo com o estudo, as experiências estressantes relacionadas à dor neonatal podem causar danos ao desenvolvimento da criança tanto no início da vida como em etapas posteriores.
“Além disso, o ambiente da UTI neonatal tem outros fatores que podem prejudicar o desenvolvimento infantil, como o alto nível de ruído, a alta luminosidade, estímulos tácteis repetitivos e a separação materna”, escreveram os pesquisadores.
Janela de oportunidade
Maria Beatriz Martins Linhares, professora associada da FMRP-USP e orientadora do estudo, explica que a fase inicial é uma espécie de janela de oportunidade para o desenvolvimento ao longo de toda a vida do indivíduo.
“A regulação fisiológica inicial e emocional é uma precursora para a série de processos de regulação de comportamento. Por isso, é importante lembrar que a partir de problemas de comportamento nessa idade é possível identificar indicadores de risco de problemas de comportamento na vida adulta. Até os seis anos de idade temos um potencial de prevenção desses problemas”, disse.
O processo de autorregulação se completa aos cinco anos de idade. No entanto, com cerca de 18 meses, a regulação emocional é aprimorada, com a subsequente regulação de comportamento.
“O autocontrole emerge em torno de três ou quatro anos de idade com o desenvolvimento do sistema de atenção, que é relevante para controle voluntário, aumentando o potencial de regulação do comportamento”, escreveram os autores.
Já o temperamento da criança geralmente muda ao longo de seu desenvolvimento. “Portanto, com o desenvolvimento típico da criança, os sistemas reativos iniciais tornam-se cada vez mais regulados na medida em que os sistemas de controle de inibição direcionados ao medo e controle de atenção amadurecem”, disseram.
Porém, ao estudar os 100 bebês prematuros, foi observado que aqueles que precisaram permanecer mais tempo nas UTIs demonstraram indicadores de problemas comportamentais.
“O desenvolvimento envolve o crescimento físico, as habilidades – nas áreas de linguagem, locomoção, motora – e também os aspectos afetivos, sociais e comportamentais. Portanto, da mesma forma que o desenvolvimento motor precisa ser acompanhado, os indicadores do comportamento e traços do temperamento também devem ser”, disse Linhares.
Fonte: Agência Fapesp

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