A odisseia de Homer.

Antonio Prata*

A odisseia de Homer
 

Semana passada, tomei um susto. Sentado em minha poltrona, com uma caneca de cerveja numa mão e o controle remoto na outra, descobri que havia me transformado num marido. Nunca pensei que isso fosse me acontecer.
Antes de mais nada, é preciso que o leitor entenda – e a leitora, mais ainda – que o fato de um homem se casar não o torna imediatamente um marido, assim como o fato de uma pessoa ouvir hip hop não faz dela um rapper. Para ser marido, como para ser rapper, é preciso ter certa atitude e certa indumentária. A condição marital requer, entre outras coisas, a existência de uma poltrona, de uma caneca, de um controle remoto e de uma relação afetiva levemente neurótica com tais objetos. Eu tenho. Ainda bem que descobri a tempo. Antes, pelo menos, de deixar crescer o bigode e começar a ir ao supermercado de moletom e tênis de corrida.
Eu deveria ter desconfiado que havia alguma coisa errada meses atrás, durante a cerimônia de casamento, quando o juiz se referiu a mim como “o contraente”. Afinal, o que eu estava contraindo? Agora sei: o vírus que se desenvolve lentamente nos folículos capilares e na região do abdômen e que, pernicioso, é capaz de transformar um Bart num Homer Simpson.
Calma, meu amor, não se assuste. Não chegarei a tanto. Ser marido é como ter uma doença crônica, mas perfeitamente administrável, uma vez que você esteja ciente de sua condição. É mais ou menos como diabetes. Comendo direito, praticando exercícios físicos e tomando alguns outros cuidados para amenizar os sintomas, ninguém poderá apontá-lo no meio da multidão e dizer: lá vai um marido. (Prometo, minha pequena: nem bigode, nem moletom, nem tênis para corrida em logradouros públicos.)
Nesta altura do texto, o leitor pode estar confuso: sou um marido? Não sou? A pergunta parece óbvia, mas não é: mais de 70% dos homens são maridos e não sabem. (Os 30% restantes sabem e não se importam.) Para um diagnóstico precoce, o autoexame é fundamental. Mais ainda: descobrir a doença logo no início é a única forma de evitar o agravamento do quadro, que pode levar à obesidade, uso de chinelos com meia, surdez eletiva, obsessão por piadas infames, trocadilhos pífios, catatonia e, em alguns casos, ao divórcio. (Trata-se de uma moléstia paradoxal, quanto mais marido você se torna, maior o risco de deixar de sê-lo.)
Com o intuito de ajudar os que por ventura se encontrem na mesma situação que eu, mas não o sabem, preparei um check list de dez perguntas, ao fim das quais o leitor descobrirá se é ou não é um marido. Vamos lá:
1) Você tem uma poltrona?
2) Você tem uma caneca?
3) Você tem uma caneca com o seu nome escrito?
(Caso tenha respondido afirmativamente a questão 3, não é necessário continuar o teste, você é um marido em estágio avançado. Salte para o próximo parágrafo).
4) Sexta de noite: você prefere ir jantar num restaurante novo que saiu no Paladar ou assistir a reprise de Karatê Kid, na TV a cabo?
5) Férias: um destino que envolva “trilhas na Mata Atlântica” te deixa empolgado ou com calafrios?
6) Há pequenas funções domésticas a serem executadas: pendurar quadros, trocar o courinho da torneira da cozinha, apertar um parafuso da maçaneta. Você não deixa sua mulher chamar o zelador, mas demora semanas para resolver a situação?
7) Fica mal-humorado ou aflito se o controle remoto está na mão de outra pessoa?
8) Usa chinelo com meia?
9) Chama sua mulher de apelidos carinhosos em público, tais como benhê, morzinho ou minha pequena?
10) Se você está ocupado assistindo a um documentário sobre leões marinhos e a sua mulher te chama de outro cômodo, você finge que não escutou?
Caso tenha respondido afirmativamente a três ou mais perguntas, é preciso assumir: você é um marido. É grave? Sim. Tem cura? Não, mas pode ser controlado. Demanda disciplina e força de vontade, mas é o mínimo que você pode fazer por sua mulher. Pobre mulher, que se apaixonou por um homem e, certa manhã, acordou de sonhos intranquilos e encontrou-o em sua cama, metamorfoseado num marido. O mais grave, porém, o que deve servir de motivação, caso todos os exemplos anteriores não tenham sido suficientes, é pensar que se como marido você já está assim, imagina o que acontecerá quando virar pai? Pegar a filha adolescente na festa vestindo pijamas e chamar a mulher de mãe, na frente dos outros, são só alguns dos sintomas conhecidos.
Vamos lá. Comecemos pelo controle remoto. Conte até dez, depois largue-o e vá pegar o “Guia”. Um, respire fundo, dois, primeiro o indicador, três, agora o polegar, quatro, muita calma nessa hora…
 


*Escritor; crônica publicada no livro Meio Intelectual, Meio de Esquerda (Editora 34).


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