Proteína produzida pelo tecido adiposo marrom pode facilitar a perda de peso

 




Chloé Pinheiro | Agência FAPESP – Pesquisadores brasileiros e norte-americanos identificaram uma proteína secretada pelo tecido adiposo marrom que é capaz de se comunicar com o fígado e, assim, favorecer a perda de peso, além de melhorar o controle da glicose e dos lipídios em circulação. O achado abre caminho para novos tratamentos contra doenças crônicas ligadas ao metabolismo corporal, como obesidade e diabetes tipo 2.


A pesquisa é parte do pós-doutorado do educador físico Carlos Henrique Grossi Sponton, realizado com apoio da FAPESP na Universidade da Califórnia em São Francisco (Estados Unidos), e representa um marco no conhecimento científico sobre a gordura marrom e sua importância para a saúde. Por isso, foi capa da última edição do periódico Embo Reports.


Em 2009, esse tipo de tecido adiposo, que é responsável pela produção de calor corporal em recém-nascidos humanos, foi também identificado em adultos. “Foi uma descoberta que atraiu muito interesse, pois, como ele é termogênico, isto é, gera calor, consome mais calorias”, comenta Sponton.


Ou seja, como aumentaria o gasto de energia, poderia facilitar a perda de peso. Mais recentemente, estudos mostraram que, assim como a gordura branca, que libera hormônios, o tecido adiposo marrom também libera moléculas com papel regulatório no organismo, para além da produção de calor.


A interferência é possível graças às batoquinas – fusão dos termos BAT (de brown adipose tissue) e citocinas. “São moléculas secretadas pelo tecido adiposo marrom que têm uma ação semelhante à dos hormônios, comunicando-se com outros órgãos”, aponta Sponton. Foram elas os objetos principais do seu trabalho, que contou com a participação de cientistas norte-americanos e japoneses.


A batoquina PLTP e seu efeito no metabolismo energético


Na primeira etapa, os pesquisadores compararam o perfil molecular de células de tecido adiposo marrom e branco extraídas de humanos. “Identificamos as proteínas que estavam mais expressas no tecido marrom, o que significa que esse tecido secretava quantidades maiores dessas proteínas”, explica Sponton.


Depois de confirmar a maior secreção dessas proteínas pelo tecido marrom, eles empregaram uma estratégia de engenharia genética (com uso de vetor viral) para testar a função de cada uma dessas proteínas em camundongos obesos. Após uma série de testes, uma proteína, conhecida como PLTP (sigla em inglês para proteína de transferência de fosfolipídios), chamou a atenção dos pesquisadores.


“Essa proteína já era conhecida por atuar no sistema cardiovascular, regulando os níveis de lipídios na circulação e alterando a estrutura de algumas lipoproteínas, como o HDL”, justifica Sponton. No experimento, a ideia era verificar se a PLTP poderia alterar o metabolismo energético.


O vetor viral, geneticamente modificado para conter a “receita” de produção da PLTP, atinge o fígado, o principal alvo do vetor, e suas células transcrevem a informação genética. Assim, começam a liberar a PLTP na circulação dos camundongos. O aumento dos níveis na circulação dessa molécula levou a mudanças importantes nos animais.


“As alterações metabólicas promovidas fazem com que parte dos lipídios que estão nos tecidos periféricos voltem ao fígado, o chamado transporte reverso”, explica Sponton. “O órgão processa o excesso e, como resultado, secreta ácidos biliares”, complementa.


A secreção de ácidos biliares não é nenhuma novidade, trata-se de um processo fisiológico bem conhecido. O curioso é que os pesquisadores notaram que a secreção parece estimular o funcionamento do tecido adiposo marrom. “Ele passa a gerar mais calor e, portanto, captar mais glicose para ter energia para a termogênese”, aponta Sponton.


Como o fato de estar mais ativo significa também que está secretando mais proteínas, entre elas a PLTP, o achado indica um círculo virtuoso. “Em suma, o alvo dessa molécula é o próprio tecido adiposo marrom”, comenta o cientista.


O mecanismo de comunicação entre o tecido adiposo marrom e o fígado por meio da PLTP levou ao aumento do gasto energético e, consequentemente, à perda de peso e à redução de gordura corporal nos roedores estudados.


Além disso, eles passaram a ter um controle mais fino dos níveis de glicose sanguínea e de lipídios circulantes, como o colesterol e outros menos conhecidos, como os esfingolipídeos e fosfolipídeos.


Possibilidades para o futuro


Se os resultados continuarem animadores, a expectativa é que a PLTP possa tratar doenças onde o metabolismo lipídico, da glicose ou o peso estão alterados, como é o caso da síndrome metabólica, do diabetes tipo 2 ou da obesidade. “O estudo foi um primeiro passo, onde pudemos conhecer um pouco mais da função da proteína, agora vamos trazer para o contexto fisiológico, ou seja, discutir as possíveis aplicações em humanos”, diz Sponton.


A ideia não é fazer como nos estudos com animais, em que foi utilizada a engenharia genética para instruir o próprio corpo a fabricar a molécula, mas sim entregar a proteína já pronta para realizar suas funções. Assim, será possível controlar dose e quantidade. “A insulina, que também é uma proteína, se vale do mesmo raciocínio”, aponta Sponton.


Hoje a forma mais conhecida de ativar a gordura marrom é com a exposição ao frio. “Alguns estudos mostram que há agentes farmacológicos que atuam nos receptores beta-adrenérgicos e poderiam estimular esse tecido”, conta Sponton.


Seu achado é mais uma peça no quebra-cabeça para compreender os efeitos da gordura marrom no organismo e como replicá-los.


O artigo The regulation of glucose and lipid homeostasis via PLTP as a mediator of BAT–liver communication pode ser lido em www.embopress.org/doi/abs/10.15252/embr.201949828.

 


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