Nova geração de testes para Câncer, tenta identificar a doença mais cedo, avaliar a eficácia do tratamento e auxiliar na escolha da terapia

Pesquisadores brasileiros trabalhando no país e no exterior estão finalizando uma nova geração de testes laboratoriais para detectar o câncer precocemente, antes que se torne identificável por meio de exames clínicos. De modo geral, quanto mais cedo a doença é descoberta, maior é a chance de sucesso no tratamento e até mesmo de cura. São pelo menos quatro os novos testes. Desenvolvidos por equipes em São Paulo, São Carlos e na Espanha, eles usam estratégias distintas para captar sinais de tumores em amostras de sangue, urina e outros fluidos corporais. Caso se mostrem eficientes nos próximos estágios de avaliação pelos quais ainda precisam passar, eles talvez possam, em situações específicas, substituir testes mais invasivos como biopsias e punções e servir de complemento aos exames clínicos e de imagem.
Os dois testes que se encontram em estágio mais avançado de desenvolvimento foram elaborados pela equipe da geneticista Anamaria Camargo no Instituto Ludwig para a Pesquisa do Câncer (ILPC) e no Centro de Oncologia Molecular do Hospital Sírio-Libanês (HSL), em São Paulo. Ambos se baseiam na análise genética das características do tumor de cada paciente e representam um passo rumo à medicina personalizada, que prevê a possibilidade de realizar diagnósticos mais precisos e prescrições sob medida para cada paciente. “A personalização ocorre em todas as áreas da medicina, mas é mais desenvolvida em oncologia, por causa das bases genéticas do câncer”, diz Anamaria. No Brasil, esse modelo, que depende da identificação da causa genética das enfermidades (ver reportagem na página 14),  ainda é incipiente. Ele começa a ser implementado em alguns hospitais particulares e agora ganha impulso no estado de São Paulo com uma iniciativa de cinco centros de pesquisa que estão se reunindo em um projeto para fazer avançar a medicina de precisão (ver reportagem).
O primeiro teste consiste na análise de um painel gênico para orientar a terapia do câncer. Para a elaboração do painel, os pesquisadores cruzaram informações sobre as alterações genéticas recorrentes nos tumores humanos com informações sobre as vias moleculares alteradas nesses tumores e os alvos de drogas comumente usadas no tratamento da doença. No total, selecionaram os 494 genes alterados com maior frequência em diferentes tumores e que servem de alvo para algum tipo de medicamento. “Esse painel pode ajudar a guiar o tratamento, porque algumas dessas mutações tornam o tumor sensível a certos compostos”, explica Anamaria.
Centros avançados de tratamento do câncer, como o Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York, ou o MD Anderson Cancer Center, no Texas, também possuem seus próprios painéis, cada um com um número diferente de genes. E já os disponibilizam para seus médicos selecionarem a droga mais eficaz para tratar cada paciente.
© LÉO RAMOS
À caça de mutações: no detalhe (acima) e na página ao lado, lâmina que recebe amostras de DNA tumoral a serem sequenciadas no Centro de Oncologia Molecular do Hospital Sírio-Libanês
Lâmina que recebe amostras de DNA tumoral a serem sequenciadas no Centro de Oncologia Molecular do Hospital Sírio-Libanês
Anamaria e seu grupo atualmente trabalham na validação do painel gênico do Sírio-Libanês. Eles sequenciaram o material genético dos tumores de 12 pessoas atendidas no hospital e identificaram as mutações específicas de cada câncer. “Já analisamos sete casos e estamos concluindo outros cinco”, conta a geneticista. Até o momento, segundo a pesquisadora, o teste produzido no Sírio mostrou 100% de sensibilidade e 100% de especificidade e se saiu tão bem quanto outro mais amplo, de 600 genes, desenvolvido pela empresa norte-americana de análise genômica Foundation Medicine e disponível no mercado.
Em outra avaliação, o biomédico Luís Felipe Campesato e o bioinformata Pedro Galante, ambos do HSL, demonstraram que o painel do Sírio também pode ser usado para orientar o tratamento do câncer com uma classe de medicamentos que se tornou disponível apenas nos últimos anos: os imunoterápicos.
São moléculas que estimulam o sistema de defesa a atacar as células tumorais e que vêm produzindo resultados animadores contra alguns tipos de tumor, em especial de pele e pulmão. “O tratamento com esses medicamentos é caro e só beneficia parte dos pacientes”, diz Anamaria. “Por isso é importante identificar quem vai responder.”
Usando uma estratégia de bioinformática, Campesato e Galante confrontaram a capacidade do painel do Sírio e do painel da Foundation Medicine de associar a quantidade de mutações (carga mutacional) de tumores de pele e de pulmão com a resposta aos imunoterápicos. Em estudo publicado em outubro na revista Oncotarget, eles demonstraram que ambos foram tão eficientes quanto o sequenciamento de todo o genoma humano.
De acordo com o trabalho, os imunoterápicos foram eficientes para 70% das pessoas com câncer de pulmão que apresentavam elevado número de alterações gênicas. Nos casos de sucesso, os pacientes permaneceram ao menos seis meses livres do câncer depois do tratamento – metade deles não apresentava sinais do tumor 18 meses após o uso da medicação. Já entre as pessoas com poucas alterações gênicas, os compostos funcionaram em apenas 20% dos casos.
“Nosso teste se mostrou viável do ponto de vista científico, agora é preciso demonstrar que tem aplicabilidade prática”, afirma o bioquímico Luiz Fernando Lima Reis, superintendente de pesquisa do HSL. Antes que possa ser usado pelos médicos do hospital, será preciso passar por uma fase de certificações e de ganho de escala.
Em paralelo ao desenvolvimento do painel de genes, o grupo de Anamaria trabalha na produção de um teste individualizado para verificar se o tratamento antitumoral está funcionando como o esperado e detectar a recaída da doença. Sua equipe começou a trabalhar nesse teste a pedido do grupo dos cirurgiões digestivos Angelita Habr-Gama e Rodrigo Oliva Perez, do Instituto Angelita e Joaquim Gama.
No início dos anos 1990, Angelita, uma pesquisadora e cirurgiã respeitada internacionalmente, propôs uma estratégia ousada e menos agressiva para tratar certos casos de câncer de reto. A terapia padrão para combater tumores nesse órgão consiste na retirada definitiva da porção final do intestino, seguida de um tratamento à base de rádio e quimioterapia para evitar o reaparecimento do tumor. Em busca de uma saída que evitasse a eliminação do órgão, ela inverteu a ordem da terapia e passou a tratar seus pacientes primeiro com radiação e medicamentos e a acompanhá-los de perto com exames de imagem. Assim, conseguiu evitar a cirurgia em 28% dos casos (verPesquisa FAPESP s 162 e 195).
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Preparação do teste para câncer de próstata: captura de biomarcadores proteicos em amostras de soro sanguíneo utilizando partículas magnéticas
Preparação do teste para câncer de próstata: captura de biomarcadores proteicos em amostras de soro sanguíneo utilizando partículas magnéticas
Ante o risco de o câncer ressurgir, Angelita e Perez se uniram a Anamaria para produzir um exame molecular que permita detectar o mais cedo possível se o tratamento funcionou ou se o problema reincidiu. Eles chegaram a um teste genético personalizado que já se mostrou viável, mas precisa ser aprimorado.
A partir de uma amostra do tumor, os pesquisadores determinam as alterações genéticas específicas do paciente. Concluído o tratamento combinado, eles passam a coletar apenas amostras de sangue de tempos em tempos para medir a quantidade de DNA tumoral circulante. Em princípio, essa estratégia deveria permitir encontrar tumores residuais após a terapia, além de focos metastáticos não detectáveis por exames clínicos ou de imagens.
Um ensaio-piloto com quatro pessoas com câncer de reto mostrou que o teste ainda não foi tão sensível quanto os pesquisadores inicialmente imaginavam para detectar a doença residual após a terapia. Depois do tratamento, ele não foi capaz de detectar a chamada doença residual mínima, situação em que resta menos de 10% do número inicial de células tumorais. Mas conseguiu identificar a presença de câncer quando esse número passava dos 20%. O teste, no entanto, mostrou-se bastante eficaz para avaliar a resposta ao tratamento e detectar a diminuição no tamanho do tumor. Ele permitiu antecipar em 18 meses a progressão da doença e a detecção clínica de metástases.
Esse resultado, publicado também em outubro na Oncotarget, sugere que o teste tem potencial para servir de marcador de resposta ao tratamento e para o monitoramento da doença após a intervenção terapêutica. Os níveis de DNA tumoral no sangue diminuíram no caso em que a terapia combinada de radiação e medicamentos funcionou. E aumentaram nos dois pacientes em que o tumor voltou a crescer.
“Os dados sugerem que a quantidade de material genético alterado na circulação é proporcional ao tamanho do tumor”, conta Lima Reis. A equipe do hospital planeja agora usar o teste com outros 20 pacientes do Sírio-Libanês.
Enquanto os pesquisadores da capital buscam formas de detectar tumores a partir do seu material genético diluído no sangue, em São Carlos, o químico Ronaldo Censi Faria trabalha para aprimorar a precisão do teste sanguíneo usado para fazer o diagnóstico inicial dos tumores de próstata. Faria é professor do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e desenvolveu um sensor para identificar simultaneamente três proteínas sanguíneas associadas ao câncer de próstata.
Hoje o exame de sangue usado para identificar alterações na próstata só mede os níveis do antígeno prostático específico (PSA) e pode indicar a presença de tumor antes dos sintomas clínicos do câncer. O problema é que há casos da doença em que o PSA não se altera e casos em que o seu nível aparece elevado sem que exista tumor. “Por isso trabalhamos com a detecção do PSA, do antígeno de membrana específico da próstata ou PSMA e do fator plaquetário 4, o PF-4, para um diagnóstico mais preciso”, esclarece Faria. “A ideia é diminuir o risco de falsos resultados.”
Faria começou a desenvolver o sensor entre 2011 e 2012, durante um estágio de pós-doutorado na Universidade de Connecticut, nos Estados Unidos. A detecção dos biomarcadores ocorre por meio da emissão de luz, resultado de uma reação química (eletroquimioluminescência). No dispositivo, a intensidade de luz é proporcional à concentração das proteínas no sangue. O sensor contém eletrodos descartáveis de grafite sobre os quais são depositados anticorpos. Quando um dos três biomarcadores interage com os anticorpos, uma reação química ocorre e produz luz.
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Sensor desenvolvido na UFSCar: eletrodos descartáveis de grafite sobre os quais se depositam os anticorpos contra biomarcadores do câncer
Sensor desenvolvido na UFSCar: eletrodos descartáveis de grafite sobre os quais se depositam os anticorpos contra biomarcadores do câncer
Outro tipo de dispositivo foi desenvolvido pela química brasileira Priscila Monteiro Kosaka, do Instituto de Microeletrônica de Madri (IMM), na Espanha. Chamado de sensor nanomecânico, ele é feito de silício e tem o formato de um trampolim de piscina, como uma base e uma “prancha”, cujo tamanho não passa de meio milímetro. “Cada trampolim vibra em uma determinada frequência de ressonância”, explica Priscila. “Mas quando algo se deposita na sua superfície, essa frequência de ressonância muda de maneira proporcional à massa aderida.” Se a amostra de sangue contém o biomarcador do câncer, ocorrem duas alterações no sensor: a sua frequência de ressonância se altera e a amostra muda de cor.
Tanto Faria como Priscila afirmam que seus dispositivos são mais sensíveis e precisos que os métodos de diagnóstico existentes. “No sistema que desenvolvemos, os limites de detecção chegam a ser mil vezes menores do que os do teste Elisa, em concentrações da ordem de femtograma por mililitro”, assegura Faria. “Isso possibilita que se faça uma grande diluição do soro humano, o que leva a um menor consumo de amostras e minimiza possíveis interferências.”
Além disso, Faria diz que o sensor que desenvolveu detecta mais de um biomarcador simultaneamente. “O número de falsos positivos e negativos chega a 40% com o uso apenas do PSA como indicador para câncer de próstata”, explica. “A detecção múltipla, usando três proteínas diferentes, possibilitará um diagnóstico mais preciso.”
Priscila também assegura que seu nanossensor é muito sensível e específico. “Nos ensaios em laboratório simulando uma amostra de sangue, ocorreram dois erros a cada 10 mil ensaios”, afirma. “Nosso método é capaz de identificar o biomarcador mesmo que sua concentração não ultrapasse 100 moléculas numa amostra de sangue.”
Devido à elevada sensibilidade e especificidade desses dispositivos e ao seu baixo custo, eles poderão vir a ser utilizados em exames de sangue de rotina, segundo Faria. “Isso pode impactar a saúde pública porque as chances de cura, no caso do câncer, são maiores quando o diagnóstico é realizado precocemente, além de os custos de tratamento serem muito menores”, diz.
A má notícia é que isso não é para logo. “Pode levar ainda 10 anos para chegar ao mercado”, estima Priscila. “Nosso objetivo é um nanossensor ultrassensível e de baixo custo.” Faria, por sua vez, não tem previsão para o uso do seu dispositivo nos serviços de saúde. “O sistema necessita de mais estudos até se conseguir um produto final que possa ser utilizado em hospitais e clínicas”, reconhece. “Mais pesquisas devem ser realizadas em relação à detecção de várias proteínas simultaneamente e à automatização do método.”
Para o químico especialista em bioanalítica Emanuel Carrilho, do Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), os dois tipos de sensores são promissores. “São plataformas diferentes, com biossensores diferentes, mas o que ambos têm de muito interessante é a capacidade de multiplexação, ou seja, poder detectar vários biomarcadores num único ensaio”, diz. “A multiplexação deve permitir um diagnóstico completo, que mostrará se há câncer e de qual tipo ele é.”
Outro aspecto importante destacado por ele é o uso de nanopartículas, que amplificam os sinais dos dispositivos. Para Carrilho, que também é pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Bioanalítica (INCTBio), o desafio para os novos sensores é ter anticorpos para todos os tipos de câncer.
Projetos
1. Tratamento neoadjuvante em câncer de reto: identificação de uma assinatura gênica capaz de predizer a resposta ao tratamento e desenvolvimento de biomarcardores personalizados para avaliar a doença residual mínima (nº 2011/50684-8);Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Anamaria Camargo (ILPC); Investimento R$ 361.226,21.
2. Desenvolvimento de biossensores para determinação de biomarcadores proteicos visando à aplicação no diagnóstico precoce e monitoramento de câncer (nº 2011/02259-6); Modalidade Bolsa no Exterior; Bolsista Ronaldo Censi Faria (UFSCar); Investimento R$ 10.780,00 e US$ 35.400,00.
Fonte: Revista Pesquisa Fapesp

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