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Mostrando postagens com o rótulo Bom de Ler

A adoção tardia e o desafio de amar

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Por: Dora Martins* Há um belo provérbio chinês que diz que “São necessários três mil anos de orações para repousar a cabeça no travesseiro com alguém que amamos”. E quantos mil anos serão necessários para amar uma criança como um filho?? Amar uma criança que não tem nossa tão acalentada herança genética, mas que tem olhos de afeto, coração pulsante e riso bonito???  A adoção de crianças maiores é um grande desafio para quem ousa amar o outro, esse alguém para ser filho, um ser que se tem que recepcionar na alma de um modo inteiro.  Cresce, de pouco em pouco, no Brasil, o interesse de pessoas casadas ou solteiras pela adoção de crianças maiores, acima de 3 ou 4 anos, embora o limite raramente  ultrapasse alguém com 7 ou 8 anos. É a chamada adoção tardia. Tardia talvez para o menino ou menina que, em seu quarto dividido com tantos outros numa instituição, já tenha feito milhares de anos de orações, pedindo uma família. Tal adoção, tal jeito de constituir uma família, nã

A regra fundamental de vida

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Quando nós dizemos o bem, ou o mal... há uma série de pequenos satélites desses grandes planetas, e que são a pequena bondade, a pequena maldade, a pequena inveja, a pequena dedicação... No fundo é disso que se faz a vida das pessoas, ou seja, de fraquezas, de debilidades... Por outro lado, para as pessoas para quem isto tem alguma importância, é importante ter como regra fundamental de vida não fazer mal a outrem. A partir do momento em que tenhamos a preocupação de respeitar esta simples regra de convivência humana, não vale a pena perdermo-nos em grandes filosofias sobre o bem e sobre o mal. «Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti» parece um ponto de vista egoísta, mas é o único do género por onde se chega não ao egoísmo mas à relação humana.  José Saramago, em "Revista Diário da Madeira, Junho 1994" Foto by Mari Martins

Aprendendo a viver

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Thoreau era um filósofo americano que, entre coisas mais difíceis de se assimilar assim de repente, numa leitura de jornal, escreveu muitas coisas que talvez possam nos ajudar a viver de um modo mais inteligente, mais eficaz, mais bonito, menos angustiado.  Thoreau, por exemplo, desolava-se vendo seus vizinhos só pouparem e economizarem para um futuro longínquo. Que se pensasse um pouco no futuro, estava certo. Mas «melhore o momento presente», exclamava. E acrescentava: «Estamos vivos agora.» E comentava com desgosto: «Eles ficam juntando tesouros que as traças e a ferrugem irão roer e os ladrões roubar.»  A mensagem é clara: não sacrifique o dia de hoje pelo de amanhã. Se você se sente infeliz agora, tome alguma providência agora, pois só na sequência dos agoras é que você existe.  Cada um de nós, aliás, fazendo um exame de consciência, lembra-se pelo menos de vários agoras que foram perdidos e que não voltarão mais. Há momentos na vida que o arrependimento de n

Toda a vida

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D isse o homem: “Fiquei velho na época errada. Toda a minha vida foi assim. Cheguei às diferentes fases da vida quando elas já tinham perdido suas vantagens. Ou antes de adquirirem vantagens novas. Passei minha vida com aquela impressão de quem entrou na festa quando ela já tinha acabado ou saiu quando ela ia ficar boa. “Veja você: a infância. Houve um tempo em que crianças, assim, da minha classe eram tratadas como príncipes e princesas. Está certo, elas também apanhavam muito. Mas havia as compensações. Geralmente uma avó morava junto ou morava perto e as consolava com colo e doces. E as mães não trabalhavam fora nem faziam academia ou tsao-tse-qualquer coisa. Ficavam em casa, inventando maneiras de estragar os filhos. “Você alguma vez teve roupa de veludo? Nem eu. Sou da geração pós-veludo e pré-jeans. Às vezes olho fotografias daquelas crianças antigas com roupas ridículas, golas rendadas e babados, e me dá uma inveja... Aquilo sim era maneira de tratar cria

Bom de ler

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De onde eu vim? Para onde eu vou?

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"De um modo geral, o homem tem de andar às apalpadelas; não sabe de onde veio nem para onde vai, conhece pouco do mundo e menos ainda de si mesmo." Citação: Goethe Foto by Mari Martins Fonte: Citador

Os Justos

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Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.  O que agradece que na terra haja música.  O que descobre com prazer uma etimologia.  Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso xadrez.  O ceramista que premedita uma cor e uma forma.  O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.  Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto.  O que acarinha um animal adormecido.  O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.  O que agradece que na terra haja Stevenson.  O que prefere que os outros tenham razão.  Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.  Jorge Luis Borges, em "A Cifra"  Imagem by Google

A Lealdade é um amor que esquece o mundo

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Só se é realmente leal quando se está sujeito a alguém ou a algo. Aí, onde mesmo um sonho pode ser senhor. Na sujeição de quem serve uma causa, na sujeição de quem se submete a um chefe, na sujeição à pessoa amada, na sujeição do sentimento e na sujeição do dever, no sacrifício da liberdade, da razão e do interesse. No desperdício e no desprezo do que está à vista e do que está à mão, é nesta desagradável situação que se acha ou não acha a lealdade. É por ser selvagem e servil, mas só a um senhor, que a lealdade tem valor. É muito difícil ser-se leal, mas só porque é muito difícil seguirmos o coração. A lealdade é um amor que esquece o mundo. Ao escolher um amigo, e ao ser-se amigo dele, rejeitam-se as outras pessoas. Quando estamos apaixonados, é através dessa pessoa que amamos a humanidade. O amor ocupa-nos muito. E para os outros, não fica quase nada.  Não se consegue ser leal ao ponto de calar o coração. Mas sofremos com as nossas deslealdades. Sabemos perfeitament

A revolução da bondade

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Acho que a grande revolução, e o livro «Ensaio sobre a Cegueira» fala disso, seria a revolução da bondade. Se nós, de um dia para o outro, nos descobríssemos bons, os problemas do mundo estariam resolvidos. Claro que isso nem é uma utopia, é um disparate. Mas a consciência de que isso não acontecerá, não nos deve impedir, cada um consigo mesmo, de fazer tudo o que pode para reger-se por princípios éticos. Pelo menos a sua passagem pelo este mundo não terá sido inútil e, mesmo que não seja extremamente útil, não terá sido perniciosa. Quando nós olhamos para o estado em que o mundo se encontra, damo-nos conta de que há milhares e milhares de seres humanos que fizeram da sua vida uma sistemática ação perniciosa contra o resto da humanidade. Nem é preciso dar-lhes nomes.  José Saramago, em " Folha de S. Paulo, Outubro 1995"  Imagem by Google

O Juízo Final

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Chegou o miserável milionário no céu e, impacientemente, esperou a sua vez de ser julgado. Introduziram-no numa sala, noutra sala, noutra sala, até que se viu frente a uma luz ofuscante, na qual pouco a pouco foi distinguindo a figura santa do pai dos Homens. Em voz tonitroante este, tendo à direita, Pedro, e, à esquerda, uma figura que ele não conhecia, julgou sumariamente dois outros pecadores que estavam à sua frente. E, afinal, dirigiu-se a ele:  - Que fez você de bom na sua vida ?  - Bem, eu nasci, cresci, amei, casei, tive filhos, vivi.  - Ora - disse o Senhor - isso são atos sociais e biológicos a que você estava destinado. Quero saber que bondade específica e determinada você teve para com o seu semelhante.  - Bem - disse o milionário - eu criei indústrias, comprei fazendas, dei emprego a muita gente, melhorei as condições sociais de muita gente.  - Não, isso não serve - disse o Todo-Poderoso - essas ações estavam implícitas ao ato de você enriquecer. Voc

A arte de ser feliz

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          Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz. Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Ás vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tu

Asas

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Cigarro aceso é tempo para pensar.  Coisa que não deixo que me roubem no meio desse caminho de palavras espalhadas pelo chão. Na bolsa, espaço para   estrelas sem destino.   Já me roubaram tudo,   a ampulheta que controla o futuro , meu corpo, cílios postiços, meus olhos piscando. Sigo de salto alto no pé direito, descalço é o esquerdo. Me doem as costas, as coxas, a unha. Um soco rasgou-me a maçã, sujando de sangue a blusa de malha. Ficou a segunda pele mais fácil de lavar. Meus seios ardem como queimados. Deve ter sido o susto. Às vezes, chegam exigindo dinheiro.   Nunca é o sexo, cujo perigo eles conhecem . Esta noite, só o que queriam era olhar-me sem olhos. O que me dói, no entanto, é a falta de   Agnes . Agnes   era a solidão que me faltava. Uma conquista verdadeira, como disse a ela quando nosso guarda-chuva foi devorado pelo vento e pude tocar em seus braços miúdos, as costas tesas, aqueles cabelos de luz. Eu a esperava na saída da fábrica no fim da madrugada

O direito de sonhar

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Tente adivinhar como será o mundo depois do ano 2000. Temos apenas uma única certeza: se estivermos vivos, teremos virado gente do século passado. Pior ainda, gente do milênio passado. Sonhar não faz parte dos trinta direitos humanos que as Nações Unidas proclamaram no final de 1948. Mas, se não fosse por causa do direito de sonhar e pela água que dele jorra, a maior parte dos direitos morreria de sede. Deliremos, pois, por um instante. O mundo, que hoje está de pernas para o ar, vai ter de novo os pés no chão. Nas ruas e avenidas, carros vão ser atropelados por cachorros. O ar será puro, sem o veneno dos canos de descarga, e vai existir apenas a contaminação que emana dos medos humanos e das humanas paixões. O povo não será guiado pelos carros, nem programado pelo computador, nem comprado pelo supermercado, nem visto pela TV. A TV vai deixar de ser o mais importante membro da família, para ser tratada como um ferro de passar ou uma máquina de lavar roupas. Vamo

Lispector no Atemporal

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"Uma vez eu irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma dessa vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria. Meu corpo, esse serei obrigada a levar. Mas dir-lhe-ei antes: vem comigo, como única valise, segue-me como um cão. E irei à frente, sozinha, finalmente cega para os erros do mundo, até que talvez encontre no ar algum bólide que me rebente. Não é a violência que eu procuro, mas uma força ainda não classificada mas que nem por isso deixará de existir no mínimo silêncio que se locomove. Nesse instante há muito que o sangue já terá desaparecido. Não sei como explicar que, sem alma, sem espírito, e um corpo

Qualquer destino...

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"Qualquer destino, por mais longo e complicado que seja, vale apenas por um único momento: aquele em que o homem compreende de uma vez por todas quem é". by Jorge Luís Borges Foto by Mari Martins

O Homem e a MULHER

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O homem é a mais elevada das criaturas; A mulher é o mais sublime dos ideais. O homem é o cérebro; A mulher é o coração. O cérebro fabrica a luz; O coração, o AMOR. A luz fecunda, o amor ressuscita. O homem é forte pela razão; A mulher é invencível pelas lágrimas. A razão convence, as lágrimas comovem. O homem é capaz de todos os heroísmos; A mulher, de todos os martírios. O heroísmo enobrece, o martírio sublima. O homem é um código; A mulher é um evangelho. O código corrige; o evangelho aperfeiçoa. O homem é um templo; a mulher é o sacrário. Ante o templo nos descobrimos; Ante o sacrário nos ajoelhamos. O homem pensa; a mulher sonha. Pensar é ter , no crânio, uma larva; Sonhar é ter , na fronte, uma auréola. O homem é um oceano; a mulher é um lago. O oceano tem a pérola que adorna; O lago, a poesia que deslumbra. O homem é a águia que voa; A mulher é o rouxinol que canta. Voar é dominar o espaço; Cantar é conquistar a alma. Enfim, o homem está colocado onde termina a terra;

Impressionista

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Uma ocasião, meu pai pintou a casa toda de alaranjado brilhante. Por muito tempo moramos numa casa, como ele mesmo dizia, constantemente amanhecendo. Texto by Adélia Prado Imagem by Google

Lispector no Atemporal

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“[...] Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em relação a outras coisas importantes. Continuo, aliás, atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais. Até mais que treze anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os americanos chamam de fatos da vida. Essa expressão se refere à relação profunda de amor entre um homem e uma mulher, da qual nascem os filhos. [...] Depois, com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de grande delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado a bastante selvageria e muita timidez. Antes de me reconciliar com o processo da vida, no

Lispector no Atemporal

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“Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade. Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.” Texto by Clarice Lispector Foto by Mari Martins

Edson Marques no Atemporal

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  Mude Sente-se em outra cadeira, no outro lado da mesa. Mais tarde, mude de mesa. Quando sair, procure andar pelo outro lado da rua. Depois, mude de caminho, ande por outras ruas, calmamente, observando com atenção os lugares por onde você passa. Tome outros ônibus. Mude por uns tempos o estilo das roupas. Dê os seus sapatos velhos. Procure andar descalço alguns dias. Tire uma tarde inteira para passear livremente na praia, ou no parque, e ouvir o canto dos passarinhos. Veja o mundo de outras perspectivas. Abra e feche as gavetas e portas com a mão esquerda. Durma no outro lado da cama... Depois, procure dormir em outras camas. Assista a outros programas de tv, compre outros jornais... leia outros livros. Viva outros romances. Não faça do hábito um estilo de vida. Ame a novidade. Durma mais tarde. Durma mais cedo. Aprenda uma palavra nova por dia numa outra língua. Corrija a postura. Coma um pouco menos, escolha comidas diferentes, novos temperos, novas cores, no